Título: Exilados discutem futuro de Tibete pós-Dalai
Autor: Costa, Florência
Fonte: O Globo, 23/11/2008, O Mundo, p. 34
Impasse nas negociações com governo da China e saúde frágil de líder religioso são temas de reunião na Índia.
DHARAMSALA, Índia. Diz a tradição budista tibetana que é possível visualizar o futuro apenas olhando as imagens refletidas nos inúmeros lagos do Tibete. Entrincheirados no meio das montanhas do Himalaia, na cidade de Dharamsala, no norte da Índia, 600 representantes da comunidade exilada dos tibetanos de todo o mundo tentam enxergar que futuro terão após a morte de seu líder espiritual e político, Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, hoje com 73 anos e já com saúde frágil. Mas não tem sido fácil avistar uma saída, diante do poderio da gigantesca China, que anexou o Tibete em 1949 e desde então recusa-se a fazer concessões com relação à autonomia da região.
O Tibete é uma área estratégica para os chineses: representa 30% do território chinês, é fonte de grandes rios que alimentam a Ásia, além de ser área de testes nucleares e base de mísseis intercontinentais.
Os tibetanos estão na encruzilhada e discutem agora como enfrentar a China de forma mais incisiva, e se devem passar a defender a independência do Tibete ao invés da autonomia limitada, a atual reivindicação. Eles estão dispostos a endurecer o tom, mas sem perder a bandeira da luta pacífica baseada nos ensinamentos de não-violência do líder pacifista Mahatma Gandhi, uma das principais fontes de inspiração para os exilados na Índia.
Temor envolve sucessão do Dalai Lama
Uma das questões mais delicadas discutidas no conclave a portas fechadas foi a sucessão do Dalai Lama. Este ano ele já foi internado duas vezes. Ele vem diminuindo o ritmo para preservar ao máximo a saúde. Um dos maiores fantasmas que pairam sobre os tibetanos é o de o governo chinês escolher o sucessor do Dalai Lama após a sua morte, antes de os budistas tibetanos tentarem seguir a tradição de séculos: encontrar a suposta figura encarnada do Dalai em outra pessoa. O próprio Dalai tem dito que pode quebrar a tradição e indicar seu sucessor antes de sua morte.
¿ Sua Santidade está com 73 anos. Estamos numa encruzilhada. Não temos tempo a perder. Nossa cultura e religião estão sendo esmagadas pelo governo chinês, somos uma espécie em extinção ¿ disse Tsewang Rigzin, presidente do Congresso da Juventude Tibetana, uma das vozes mais radicais do movimento pró-independência.
Os tibetanos estão divididos com relação à estratégia que devem adotar: os mais jovens defendem a independência. O próprio Dalai Lama reconheceu há um mês que o seu ¿caminho do meio¿ ¿ a autonomia do Tibete sob soberania chinesa ¿ não gerou resultado desde o início da última rodada de negociações em 2002. Os mais velhos defendem a continuação da exigência da autonomia. Mas todos concordam que a luta deve ser não-violenta.
Dentro dos campos há um leque de possibilidades: organizar protestos, mais pressão sobre o Ocidente para ajudar e um pequeno grupo planeja sabotar na infra-estrutura da China. Samdhong Rinpoche, o primeiro-ministro no exílio, explicou que há muitos sentimentos misturados:
¿ Há muita frustração, esperança, e também determinação para fazer algo, mas sem a clareza ainda de como fazê-lo.
Pasang Tsering, tibetano exilado nos EUA, é um dos que defendem o caminho chamado de mais realista: a reivindicação de autonomia do Tibete.
¿ Mas devemos mudar o tom nas negociações. Os chineses sempre colocaram pré-condições para negociar. Nós devemos passar a apresentar nossas pré-condições, como a de que eles reconheçam o governo tibetano no exílio, que já tem meio século de existência.
O conclave tibetano foi convocado pelo próprio Dalai Lama, cada vez mais angustiado com o futuro de seu povo após sua morte. A proposta de autonomia dos tibetanos levada mês passado ao governo chinês foi rejeitada: defendia a proteção da língua e da cultura tibetanas, e o direito à criação de um governo autônomo, dentro dos parâmetros da Constituição chinesa. Numa declaração rara que indica o momento delicado para os tibetanos, o Dalai exortou a Índia a ajudá-los a encontrar uma luz no fim do túnel na espinhosa negociação com a China, adversária da Índia. Os dois países já travaram uma guerra, em 1962, apenas três anos depois de a Índia ter oferecido abrigo ao Dalai Lama.
¿ O guru deve ajudar o discípulo quando o discípulo está com problemas. E a Índia é o nosso guru ¿ afirmou o Dalai na quinta-feira.
Qualquer decisão terá forte efeito entre os 5,5 milhões de tibetanos que vivem no Tibete, pois a China ameaça de prisão até mesmo quem tiver um retrato do Dalai em casa. Os tibetanos no exílio são um contingente bem menor (130 mil), mas têm visibilidade e acesso a organizações de defesa dos direitos humanos e personalidades contrárias à repressão no Tibete.
O Dalai recusou-se a participar das reuniões para não intimidar os que tivessem opiniões diferentes das suas. Ele tem reiterado sua disposição de se aposentar de seu papel de líder político, mas os próprios tibetanos não parecem dispostos a deixá-lo fazer isso.
Maioria dos tibetanos na China apóia decisão do Dalai
Antes do conclave, 15 mil tibetanos que vivem no Tibete foram consultados, de forma secreta. Karma Chophel, porta-voz do governo tibetano no exílio, informou que a pesquisa mostrou que 8 mil acham que devem seguir o caminho do Dalai Lama, qualquer que seja ele. Cerca de 5 mil querem o Tibete independente, e 2 mil continuam a favor da reivindicação de autonomia para o Tibete sob a soberania chinesa, o chamado ¿caminho do meio¿.
As conclusões da reunião serão apresentadas hoje ao Dalai Lama, que fará um pronunciamento e dará uma entrevista coletiva. As decisões serão tomadas futuramente pelo Parlamento Tibetano no exílio, sediado em Dharamsala.