Título: Brecha jurídica anula processo da LBV
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 24/11/2008, O País, p. 3

Justiça encerra caso alegando erro técnico; entidade recupera certificado de filantropia e agora é anistiada por MP do governo.

Sete anos depois de protagonizar um dos maiores escândalos da filantropia brasileira, a Legião da Boa Vontade (LBV) tem hoje um histórico "limpo", graças à brecha jurídica que anulou todas as provas que apontavam para desvio de recursos e outras irregularidades. Há dois anos, sem alarde, conseguiu recuperar seu certificado de entidade beneficente (Cebas) e garantir a isenção tributária retroativa. E agora, com a edição da MP da Filantropia pelo governo, ganhou mais uma benesse: 15 recursos que ameaçavam a atual proteção contra as cobranças foram sumariamente extintos, sem chance de recurso pela União.

A brecha usada pelos advogados da LBV foi a falta de notificação, com três dias de antecedência, das diligências realizadas pelo INSS. As provas colhidas demonstravam que a entidade remunerava ilegalmente seus dirigentes, acumulava patrimônio e desviava recursos para outras empresas do grupo, como a Religião de Deus. Foi o bastante para o CNAS cassar o certificado de filantropia. Nem a tonelada de documentos enviados pela entidade conseguiu demover os conselheiros. Porém, recursos da entidade impediam que o governo recuperasse os impostos que deixaram de ser pagos.

Por conta do erro processual, a Justiça Federal decidiu anular todas as provas. "Sofre, portanto, o processo administrativo de nulidade insanável", concluiu a juíza Raquel Chiarelli. E a cassação do Cebas de 2001 a 2003 foi anulada. Ainda existe recurso do governo contra esse certificado, mas é apenas um entre os 928 processos engavetados há anos no Ministério da Previdência sobre casos de irregularidades em filantrópicas e que juntos somam mais de R$2 bilhões em renúncia indevida de arrecadação tributária. A MP editada pelo governo, que foi devolvida pelo Senado, mas ainda está em vigor, extinguiu esses 928 recursos.

- O relatório que nós fizemos foi baseado nas provas e nos documentos apresentados. Se depois eles recorreram à Justiça por uma falha de processo, aí eu não posso me responsabilizar- disse a conselheira Tania Garib, que á época foi relatora da cassação.

Registro devolvido sem alarde

Segundo ela, a anulação de provas não muda os fatos ocorridos "em hipótese nenhuma". Na presidência do CNAS no auge da polêmica com a LBV, o então conselheiro Antônio Brito rejeitou todas as insinuações de que o julgamento foi político ou baseado em interesses persecutórios.

- Cumpri a decisão da relatora, de acatar as irregularidades. No nosso entendimento elas existiam sim. E o julgamento foi de mérito, não aconteceu decisão política nem perseguição, tomamos todos os cuidados. Os fatos deram a convicção - disse Brito.

A Receita não comenta o caso, devido ao sigilo fiscal. O Ministério da Previdência diz que o assunto, por conta da MP, é da alçada do Ministério do Desenvolvimento Social. Este, por sua vez, não forneceu acesso aos autos do processo, que são públicos e estão atualmente com a pasta.

Em 2001, O GLOBO revelou que parte dos R$215 milhões arrecadados pela LBV à época eram desviados e bancavam o patrimônio de luxo de uso particular de seu diretor-presidente, José Paiva Netto. E auditorias do INSS revelaram ainda que a entidade devia mais de R$10 milhões em contribuições previdenciárias de funcionários antes de 2000, que foram indevidamente apropriadas. Até o uso de notas fiscais frias para justificar despesas foi detectado.

A LBV, por meio de seu advogado, afirma que já foi inocentada de todas as acusações e que foi vítima de julgamentos precipitados da imprensa. Além da anulação de provas, considera que um parecer do Ministério da Justiça desconsiderou todas as acusações feitas pelo INSS.

O único rastro público sobre como aconteceu a reabilitação filantrópica da LBV está anotado em poucas linhas nas atas das reuniões de março e abril de 2006 no CNAS. E, ainda assim, suscitam mais dúvidas do que esclarecimentos.

Em março, o assunto foi colocado em pauta e o conselho se recusou a decidir: "Quanto ao processo da LBV, após ampla discussão, o plenário foi unânime em decidir pela retirada do mesmo de pauta, para que fosse apreciado pelos conselheiros". A relatoria também foi rejeitada pela representante dos estados no colegiado.

Em abril, sequer houve uma discussão. O assunto foi abordado pelo conselheiro Marco Antônio Gonçalves, da sociedade civil, que "comentou da capilaridade nacional que a entidade tem e quanto, juntamente com seus funcionários, sofreu por conta de um briga com um canal de televisão". E, de uma tacada, a LBV recebeu dois Cebas: para o triênio 2001-2003 e 2004-2006. Sem acesso ao voto e ao parecer técnico, não é possível saber como aconteceu esse duplo julgamento. Gonçalves não foi localizado na última sexta-feira. O CNAS não quis comentar o caso.