Título: Ainda há tempo
Autor: Almeida, Fernando
Fonte: O Globo, 24/11/2008, Opinião, p. 7

Elaborado por técnicos de 15 ministérios, o Plano Nacional de Mudanças do Clima (PNMC) foi recebido com forte dose de preocupação por importantes setores da sociedade brasileira. Instituições empresarias, acadêmicas e ambientalistas, que participaram dos diálogos setoriais promovidos pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas para prestar contribuições e dar representatividade e consistência à iniciativa do governo federal, sentiram-se frustradas com a primeira versão do documento.

O texto do plano perdeu o foco e deixou de responder à pergunta central sobre o tema: o que o Brasil pode fazer, agindo localmente, para contribuir de forma concreta para vencer o mais dramático dos desafios ambientais do século?

Sabemos que, no plano internacional, se não começarmos a reduzir a carga de gases do efeito estufa até 2013, não conseguiremos atingir a meta de chegar em 2050 com um volume de emissão 50% inferior aos níveis atuais, o que induzirá efeitos climáticos imprevisíveis. Sabemos também que, no caso brasileiro, 70% de nossas emissões são provocadas por desmatamentos e queimadas.

Contrariamente à expectativa de todos os setores envolvidos na discussão, a primeira versão do PNMC não traça as linhas centrais de políticas públicas e privadas em relação ao clima. Não contempla, sequer, metas objetivas de desmatamento zero, o nosso calcanhar-de-aquiles.

Caso o texto permaneça difuso, nosso país corre sério risco de deixar escapar a posição de pioneirismo e liderança conquistada no processo de construção do Protocolo de Kyoto, hoje transformado em tratado global. E ficará subordinado a decisões de países emergentes cada vez mais poluentes, como China e Índia, e pouco ou nada engajados no combate às mudanças climáticas.

O setor empresarial, em parceria com ONGs ambientalistas e instituições de ensino, tem amadurecido progressivamente essa discussão e já vem adotando medidas práticas. Em 2007, foi lançado o Pacto de Ação em Defesa do Clima, documento inédito proposto pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). No pacto, grandes empresas e ONGs ambientalistas de reputação, como Greenpeace, WWF e a TNC, assumiram o compromisso de mobilizar a sociedade brasileira para reduzir os níveis de emissões no país e contribuir para o cumprimento das metas da Convenção Mundial do Clima, segundo a qual a elevação da temperatura média do planeta não poderá ultrapassar 2C até 2100.

Em 2008, o CEBDS e a Fundação Getulio Vargas lançaram o Protocolo de Gases de Efeito Estufa (GHG Protocol), permitindo que empresas e governos possam utilizar a ferramenta mais moderna e confiável para medição de emissões de gases indutores do aquecimento global.

Essas iniciativas são referências consagradas internacionalmente. Surgiram para atender a uma crescente demanda, que transformou o tema específico mudança do clima no principal vetor de conscientização da sociedade para a questão geral da sustentabilidade.

Contudo, torna-se imprescindível um balizamento político, técnico e jurídico para que os resultados ganhem escala e produzam as mudanças dentro do senso de urgência que a realidade nos impõe.

Portanto, os responsáveis pela elaboração do documento não devem perder a oportunidade de ouvir e ponderar os pontos de vista dos múltiplos interlocutores nessa fase de consulta final. Mais do que convergir para o consenso democrático, dando direito a voz e voto a diferentes setores, o PNMC deve contemplar uma política energética para o país, combatendo nossas vulnerabilidades e valorizando nossos principais ativos - matriz limpa, biodiversidade, biocombustíveis.

Esse é o caminho mais seguro para nos conduzir a uma reversão da curva do aquecimento global e consolidar nossa liderança no contexto internacional. Ainda há tempo.

FERNANDO ALMEIDA é presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).