Título: Cenário de guerra nas ruas de Detroit
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 24/11/2008, Economia, p. 17

Depreciação de unidades da GM já passa de US$120 bi.

Aprimeira sensação de quem chega a Detroit e circula por determinadas ruas do centro ou dos bairros de Bricktown e Corktown é a de estar visitando um cenário de guerra que foi abandonado por quem ali vivia. A desolação é ainda maior no seu parque industrial.

Vêem-se muitas carcaças de antigas linhas de montagem e de fábricas de autopeças: edifícios depredados, alguns em ruínas. Equipamentos enferrujados. Vários deles ainda pertencem às ¿Três Grandes¿ ¿ General Motors, Ford e Chrysler ¿ sem serem utilizados.

Bens que vão sendo depreciados gradativamente; um enorme ralo por onde escoa a riqueza das montadoras que agora pedem dinheiro (US$25 bilhões) ao governo. Entre 1998 e 2007 a depreciação das unidades da GM foi de US$128 bilhões. O problema, alegam seus executivos, é que não há compradores.

Preço de casas já é menor que o de carros

Casas e edifícios de apartamentos, onde residiam trabalhadores se encontram na mesma situação. Dois terços dos desempregados pelas montadoras não conseguem encontrar novo trabalho. Os que têm mais sorte se contentam com salários bem menores. Quem ganha o mínimo (US$5,15 por hora) precisa trabalhar 112 horas semanais para conseguir alugar um apartamento de dois quartos (preço médio de US$751 mensais).

¿ A situação é assustadora. Nos levaram a acreditar que tínhamos um futuro, e agora puxam o nosso tapete ¿ comentou Joe Wilson, um dos 1.500 funcionários de uma montadora de minivans da Chrysler que acabam de ser postos em licença temporária por tempo indefinido, que se tornará definitiva caso a empresa não consiga ajuda do governo até fins de janeiro.

A situação é tão crítica que algumas residências estão à venda por preços menores do que o de um automóvel zero quilômetro. E nem assim aparecem interessados. Por isso viram ruínas, cercadas por grades que a prefeitura instala para evitar a sua ocupação pelas 18 mil pessoas sem teto de Detroit. Há hotéis totalmente abandonados.

Certamente é por causa desse panorama que Jennifer M. Granholm, a governadora do estado de Michigan, está oferecendo incentivos aos estúdios de Hollywood para que venham a filmar ali. Eles pouco teriam que gastar em cenografia. Ela acha que as produtoras poderiam até mesmo, eventualmente, montar uma pequena infra-estrutura cinematográfica na região.

Assim a decadência de ¿Motown¿ ¿ como é mais conhecida Detroit ¿ poderia, nesse momento de desespero, servir pelo menos para gerar alguns dólares à desocupada mão-de-obra local.

¿ Estamos precisando de uma ¿economia criativa¿, um conceito que não vemos desde os dias do Motown ¿ disse ela, referindo-se ao ritmo musical ali nascido e que acabou virando apelido de Detroit, mas hoje está enraizado em Los Angeles.

A saída é buscar outras fontes:

¿ Amamos a nossa indústria automobilística. Mas há muito tempo devíamos ter diversificado a nossa economia ¿ lamentou a governadora.

As placas de veículos emitidas pelo departamento de trânsito local ainda trazem, além do número de registro deles, uma inscrição que na prática deixou de ser realidade: ¿Capital Mundial da Indústria Automobilística¿. Hoje, GM, Ford e Chrysler produzem menos da metade (46%) dos automóveis vendidos nos Estados Unidos.

Detroit, na verdade, está se tornando a capital americana do desemprego. Ou, mais precisamente, no maior centro gerador de desemprego do país, já que as três montadoras ali sediadas possuem fábricas em outros seis estados, além de revendedores, que delas dependem, em todos os 50.

A sua decadência foi marcada, dias atrás, por dois fatos significativamente simbólicos: uma loja em Junction City, no Oregon, inaugurada em 1921 vendendo o primeiro carro popular da Ford ¿ o Modelo T ¿ fechou as portas; e a Bill Heard Enterprises, maior concessionária da Chevrolet (GM), fechou todas as 13 lojas que mantinha em vários estados