Título: Nepotismo "terceirizado" no Ministério da Indústria
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2009, Política, p. 04

O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o vínculo empregatício entre parentes nas repartições públicas compromete os princípios da boa administração é ignorado no Departamento de Recursos Humanos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Nem mesmo a publicação em agosto da súmula vinculante pelo STF proibindo a prática do nepotismo inibiu dias depois um casal de funcionários, que vive como marido e mulher, de passar a trabalhar no mesmo ambiente, a sala 209 do Bloco J da Esplanada. Valeska Popiesz Pinto como chefe de treinamento da Coordenação de Assistência e Desenvolvimento do Servidor. Wilton da Luz Araújo na função de suporte técnico. Ele é funcionário terceirizado, mas está diretamente subordinado à companheira. A situação é expressamente proibida segundo resolução número 7 do Conselho Nacional de Justiça (leia Para saber mais).

O caso foi denunciado anonimamente à Ouvidoria do Ministério do Desenvolvimento no início de fevereiro. Mas até hoje quem perdeu com a história foi a servidora que contou o que sabia. A denunciante, uma ex-funcionária do quadro de terceirizados, foi demitida do emprego quando a coordenadora-geral do setor, Rosângela Maria Vital Rangel, desconfiou da atitude da subordinada. Quatro dias depois de o vínculo de Valeska e de Wilton ter sido relatado para o órgão de controle do ministério, a delatora foi devolvida à firma onde tem contrato de terceirização. Segundo a denunciante, que prefere manter o seu nome em sigilo, Valeska, como chefe do próprio companheiro, dava regalias a Wilton.

¿Ela nunca foi rígida com relação a horário e também não cobrava assiduidade. Quando ele faltava, não tinha que se preocupar com atestado¿, afirma. Além disso, a ex-funcionária conta que as discussões entre o casal eram constantes na sala onde trabalham outros cinco servidores. Valeska Popiesz é vinculada ao ministério desde 2000. A funcionária começou no emprego como estagiária e em 2003 assumiu o cargo de chefia na Coordenação de Desenvolvimento do Servidor. Wilton também entrou no ministério há quase uma década.

¿É mentirada¿ O relacionamento entre os dois começou em 2007, quando o casal teve um filho. No ano seguinte, os dois passaram a dividir a mesma sala de trabalho. Segundo Valeska, a proximidade foi uma ¿incrível coincidência¿, já que alguns funcionários tiveram de ser reacomodados em função de uma reforma interna. Como chefe de treinamento da Coordenação de Assistência do Servidor, Valeska nega qualquer tipo de constrangimento e rebate as denúncias de que tenha se aproveitado do cargo para privilegiar o marido. ¿Ele é tratado como todos os outros, não tem nenhum benefício a mais ou a menos. Se falta, tem que apresentar o atestado e não pode chegar atrasado¿, rebate a mulher.

A coordenadora-geral de Recursos Humanos, Rosângela Rangel, afirma que não exerceu ingerência na contratação de Wilton da Luz apesar da amizade que tem pelo casal. Segundo Rosângela, o ajuste que resultou no vínculo de trabalho entre Valeska e o marido não passou por ela. ¿Os contratos de temporários não são geridos no Departamento de Recursos Humanos. Por isso, eu não influenciei para essa aproximação¿, afirma. Rosângela justifica que nunca tomou nenhuma atitude com relação ao casal por entender que não há prática de nepotismo quando uma das partes é servidor terceirizado.

A denúncia, no entanto, resultou na abertura de um processo na Comissão de Ética pública do Ministério da Indústria. O presidente da comissão, João Lucas Rodrigues, diz que o caso está na fase preliminar, já que o órgão pediu documentos ao setor de Recursos Humanos sobre o vínculo entre o casal e aguarda o retorno da repartição. ¿Depois que tivermos com todos os detalhes sobre o caso, vamos fazer uma avaliação o mais rápido possível para dar uma resposta se a situação é irregular ou não¿, declara João Lucas Rodrigues.