Título: Em meio ao drama, saques
Autor: Perboni, Juraci
Fonte: O Globo, 26/11/2008, O País, p. 3

Santa Catarina vive o caos com chuvas que já mataram mais de 80 pessoas.

Em meio à tragédia que já provocou a morte de pelo menos 84 pessoas em Santa Catarina, moradores de cidades atingidas pelas fortes chuvas, por deslizamento de morros e inundações convivem agora com o medo e a insegurança. Casas abandonadas começaram a ser saqueadas. Vândalos ainda invadiram farmácias e supermercados, levando não só comida ou remédios, mas bebida alcoólica e caixas de cigarros. A falta de solidariedade também ajudou a agravar a situação em cidades onde há racionamento de alimentos. Donos de padarias estariam vendendo pão francês por R$3 a unidade. O preço do litro da gasolina chegou a R$4.

Em Itajaí, uma das cidades mais atingidas, pelo menos três supermercados e quatro farmácias foram saqueados. Alguns moradores disseram à polícia que utensílios domésticos foram levados por ladrões, e não pela enxurrada. O soldado do Corpo de Bombeiros Samuel Martins confirmou a ação dos criminosos.

- As pessoas saquearam o mercado, mas nem sempre levaram alimentos. Muitos aproveitadores acabam se misturando a quem realmente precisa - contou Martins, que trabalha no resgate das vítimas.

O secretário de Segurança Pública de Santa Catarina, Ronaldo Benedet, determinou que fosse intensificado o policiamento civil e militar nas áreas afetadas.

Jovem perdeu os pais e um irmão

Enquanto as equipes de resgate mantêm as buscas em todo o estado, moradores vivem o drama de perder familiares e tudo o que tinham em casa. Renan Lescowicz, de 19 anos, deixou ontem o hospital onde estava internado desde a madrugada de segunda-feira para acompanhar o velório do pai, da mãe, do irmão e de seis vizinhos. Todos foram soterrados quando parte de um morro deslizou sobre sua casa e de outros moradores da Rua Angelo Rubini, em Jaraguá do Sul, Norte do estado.

Os corpos de Silvio e Mônica, os pais de Renan, e de Natan, o irmão de 11 anos, foram encontrados por equipes de resgate depois de horas de buscas, na noite de anteontem.

- É muito difícil aceitar a perda de uma família assim - disse uma das vizinhas, Marlene Oderingie, durante o velório dos Lescowicz.

Bastante ferido e andando com dificuldades, Renan acompanhou o sepultamento em estado de choque, com uma enfermeira, voltando logo em seguida para o hospital. Quando tiver alta, terá de morar com parentes, já que sua casa foi totalmente destruída.

O estudante Franklin Sell, vizinho dos imóveis atingidos em Jaraguá do Sul, lembrou ontem do desespero em sua casa para que ninguém fosse soterrado.

- Ouvi um barulho e, quando fui à sacada de casa, vi que estava tudo arrasado. Acordei todo mundo e saímos correndo para a rua, antes que fôssemos atingidos.

Sob montanhas de lama, ainda na Rua Angelo Rubini, também foram encontrados os corpos do casal Ivonete e Guido Franzner e de seus dois filhos, Alana, de 13 anos, e Cauã, de 5. Vizinhos da família Lescowicz, eles dormiam no momento em que parte do morro deslizou sobre a casa, no começo da madrugada de segunda-feira.

Nas escavações, bombeiros também encontraram os corpos do casal de idosos Zilda e Avelino Franzner, pais de Guido. A casa onde moravam ainda está de pé, mas o quarto onde dormiam foi atingido por grandes pedras que despencaram do morro.

"Choramos abraçadas; a água levou tudo"

A tragédia em Santa Catarina provocou muitos traumas. Desde domingo, Débora Cristina Maciel, de 27 anos, não consegue dormir no alojamento onde foi abrigada em Blumenau. Não sai de sua cabeça a imagem do vizinho de 39 anos pedindo ajuda ao ser soterrado num deslizamento. A vítima não teria atendido aos apelos dos funcionários da Defesa Civil para deixar a casa.

- É chocante ver uma cena dessas e não poder fazer nada. Eu não consigo esquecer a imagem da mãe e da irmã do rapaz tentando entrar no meio do barro para salvá-lo. Elas só não foram tragadas porque foram impedidas pelo Corpo de Bombeiros. Meu filho de 13 anos também viu tudo - lembra.

Ela ainda está sem notícias do marido desde segunda-feira. Eles têm cinco filhos. Débora falou a última vez com Alexandre Pereira, de 32 anos, quando ele estava na casa onde trabalha como jardineiro. Como os telefones estão cortados, ela não consegue contato.

- Mas rezo toda hora para ele estar bem.

Angela Almeida, 22 anos, auxiliar de limpeza num cemitério de Blumenau, foi resgatada pelo Corpo de Bombeiros e viu de longe a água levar o que tinha: geladeira, televisão, roupas. Ontem ela estava assustada com os momentos de horror por que passou quando viu a água inundar a pensão onde mora.

- Eu e mais três amigas, que moramos juntas na pensão, ficamos com tanto medo que começamos a chorar abraçadas, enquanto a água levava tudo o que tinha no nosso quarto - disse ela, que desde segunda-feira dorme num abrigo montado num ginásio de esportes em Blumenau.

- Tenho só a roupa do corpo. E são roupas que eu ganhei aqui.

oglobo.com.br/pais