Título: Na Paraíba, programa social até para supérfluos
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 26/11/2008, O País, p. 5

Distribuição de recursos do governo Cunha Lima desrespeitou critérios de renda e beneficiou pessoas com poder aquisitivo.

JOÃO PESSOA (PB). Os programas de assistência social com distribuição de dinheiro do governo Cássio Cunha Lima (PSDB), cassado pela Justiça Eleitoral, não respeitaram critérios de carência e beneficiaram pessoas que nem eram tão pobres assim e tinham algum poder aquisitivo. Parte dos cheques da Fundação de Ação Comunitária (FAC) distribuídos em 2006 foi usada para pagar despesas como mensalidade de TV a cabo (R$1 mil), plano de saúde (R$1,5 mil), prestação de mensalidade atrasada de escola particular (R$1,6 mil) e tratamento dentário.

Esses gastos foram considerados incompatíveis pela Justiça Eleitoral com despesa típica de programa social. O ministro Eros Grau, relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral, acusou o governador de distribuir recursos sem critério. Ele foi cassado acusado de abuso de poder político e econômico por ter distribuído, em períodos próximos da eleição de 2006, cerca de 35 mil cheques, num total de quase R$4 milhões.

A Justiça Eleitoral também considerou abusivo um outro programa do governo da Paraíba, que existe há anos e paga tratamento de saúde para ricos e pobres. Um dos casos mais emblemáticos foi o do consultor jurídico do governo, o advogado Rômulo de Araújo Lima, que recebeu cerca de R$56 mil para um tratamento de saúde. Outro caso citado no processo foi o de Emília Mendonça Ferreira, que recebeu R$10,9 mil para um tratamento dentário. Ela é mulher de Rui Carneiro, secretário da Juventude, Esporte e Lazer.

O governador afirma que nunca entregou pessoalmente qualquer chegue aos beneficiários do programa e que não há no processo qualquer prova nesse sentido. Ele disse que a distribuição de cheques do FAC é criteriosa, e que os beneficiados são submetidos, antes, a entrevistas com assistentes sociais que atestam o nível de carência.

- Não há uma prova sequer que me envolva nisso e não há ilegalidade no programa, que tem seu rigor. Tanto assim que 2.800 pedidos de ajuda foram negados. Estou sendo vítima de uma das maiores injustiças dos tribunais eleitorais - disse.

TCU já tinha apontado supostas irregularidades

Parecer do Tribunal de Contas da União, juntado ao processo, levantou que, entre 2005 e 2006, foram concedidos 16.305 auxílios pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, do governo estadual, que gere as verbas da FAC. Para o TCU, é impossível ter havido tantas visitas em domicílios, "dando ensejo a maiores questionamentos acerca da probidade de tais concessões", concluiu a auditora do tribunal Ana Lígia Urquiza. "Há diversos casos detectados de não caracterização do estado de carência".

Rômulo Lima recebeu o dinheiro para se tratar de um câncer. Foi o maior valor pago, segundo o Ministério Público. O programa existe há décadas e já beneficiou pessoas ligadas a outros governos. Rômulo detectou o problema em 2004 e até 2006 tratou-se em São Paulo, custeado pela Casa Civil. Ele disse que não poderia bancar a despesa:

- É injusto eu ser citado como caso emblemático. É um programa que já beneficiou ricos e pobres.

Cunha Lima disse que, no caso da mulher de seu secretário, o processo foi todo legal.