Título: Brasileiro com Aids vive mais
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 26/11/2008, Ciência, p. 32

Sobrevida no país dobra. Mas vírus se propaga entre pessoas acima de 50 anos.

As pessoas com diagnóstico de Aids estão vivendo hoje mais no Brasil. Os últimos números sobre a epidemia divulgados ontem pelo Ministério da Saúde mostram que, graças à distribuição de remédios e a novos antiretrovirais, a expectativa de vida mediana após o diagnóstico é de nove anos, o dobro do tempo registrado antes do uso dos coquetéis de medicamentos. O estudo informa que mais da metade dos pacientes diagnosticados em 1998 e 1999 continuam vivos. Mas, entre os casos identificados em 1996, metade resultou em óbito em menos de cinco anos. Segundo o ministério, a duplicação do tempo de sobrevida se deve às melhorias no diagnóstico, atendimento e acesso a tratamento.

O novo perfil da distribuição da doença confirma a tendência de estabilização de novos casos no país. E mostra um novo risco: o crescimento de casos entre heterossexuais, homens e mulheres, com mais de 50 anos. Os brasileiros estão fazendo sexo até mais tarde, mas esse grupo é o mais refratário a medidas de prevenção de contágio da Aids - essa faixa da população é o alvo da campanha publicitária deste ano. O crescimento de casos entre jovens homossexuais também preocupa.

Tricô, baralho e muito mais

A diretora do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, diz que há distorções nesses dois grupos sobre o risco de contrair o HIV. Mariângela frisa que as pessoas também têm uma visão errada sobre a letalidade da doença, já que os medicamentos aumentaram a sobrevida. A Aids continua a ser letal.

-- Cerca de 70% da população de mais de 50 anos é sexualmente ativa, talvez até mais. As pessoas acham que os coroas não transam. Acham que só fazem tricô e jogam baralho. Mas, na verdade, eles fazem isso e depois rola muito mais - disse o ministro da Saúde, José Temporão.

A propaganda para estimular o uso do preservativo nessa faixa etária levou em consideração que essas pessoas não vivenciaram a epidemia na juventude e não se consideram em risco. No caso de jovens homossexuais, a suspeita é que a qualidade do tratamento pode ter reduzido a preocupação com a proteção. A incidência de Aids (casos notificados por 100 mil habitantes) entre homens acima de 50 anos ficou em 20,6 em 2006. Dez anos antes, era de 11,7. Entre mulheres dessa faixa etária pulou de 3,7, em 1996, para 11,4, em 2006.

- O perfil dos casos mostra que é uma epidemia claramente heterossexual - disse Mariângela Simão, sobre o grupo com mais de 50 anos.

Segundo o ministério, na faixa etária de 50 anos ou mais, apenas 22,3% usaram camisinha na última relação sexual, contra 57,3% na faixa etária de 15 a 24 anos. O governo comprou 1 bilhão de camisinhas para distribuição gratuita este ano e 1,2 bilhão para 2009.

Em todo o país, 0,6% da população de 15 a 49 anos tem Aids. Há no Brasil 506,5 mil casos e 205,4 mil mortes acumuladas. Em 2007, a taxa de incidência nacional ficou em 17,8 casos por cada 100 mil habitantes e o coeficiente de mortalidade ficou em 5,8 para cada 100 mil habitantes.

O fornecimento gratuito do coquetel de antiretrovirais e o bom nível de adesão são responsáveis pelo aumento da sobrevida. Entre aqueles que usaram os medicamentos, 65,7% continuaram vivos após nove anos, em comparação com 12,6% que não o fizeram. A sobrevida também é maior entre mulheres.

O aumento da sobrevida, porém, pode esconder a realidade de mortes precoces, geralmente por diagnóstico tardio. Segundo Mariângela, dos cerca de 11 mil óbitos anuais, 3 mil são de casos identificados havia um ano. Os dados de sobrevida mediana se referem ao tempo de sobrevivência de metade dos pacientes, não ao tempo médio total.