Título: Após a chuva, toque de recolher
Autor: Perboni, Juraci
Fonte: O Globo, 28/11/2008, O País, p. 3

TRAGÉDIA SOB AS ÁGUAS

Santa Catarina decreta medida para inibir saques, enquanto desabrigados aguardam comida

Em meio à destruição provocada pelas chuvas, a insegurança e a fome tomam conta das ruas de Itajaí, uma das cidades mais atingidas pelas enchentes em Santa Catarina, estado onde já morreram mais de cem pessoas desde sexta-feira passada. Temendo novos saques, a polícia decretou o controle noturno de circulação na cidade e em outros municípios. Nas áreas atingidas, ninguém pode ficar nas ruas depois das 22h, a não ser moradores ou voluntários que socorrem as vítimas. A polícia teme novos ataques a estabelecimentos comerciais e a casas inundadas. Mais de 400 homens armados patrulham os bairros em Itajaí.

A busca por alimentos criou clima de tensão no município. Desabrigados fazem fila pela cidade à espera de cestas básicas. Na fila, as histórias de desespero se multiplicam. Com lama na roupa e no cabelo, Valcélia Custódio e Rosicléia Coninck dividiam água numa garrafa plástica. Depois de horas na fila formada à frente de um improvisado centro de abastecimento, conseguiram um quilo de arroz, um de feijão e um litro de leite.

- Isso vai durar um dia, pois na minha casa são quatro pessoas. É muito triste - dizia Rosicléia.

"Estou comendo qualquer coisa"

Desde domingo, Maria Silva da Cruz, de 61 anos, se alimenta de biscoitos e salgadinhos doados. Depois de horas na fila ontem, ao chegar sua vez, soube que a distribuição de pacotes havia parado por falta de embalagem. Quem insistia ganhava copos de água.

- Estou comendo qualquer coisa. Estava com água no primeiro andar da minha casa. Vizinhos me ajudaram. Faço hemodiálise e só ontem voltei ao tratamento.

A situação em Itajaí é semelhante à de outros municípios. Em todo o estado, até o início da noite de ontem, 99 pessoas, segundo os números oficiais, haviam morrido. E há ainda 19 desaparecidas, o que deve elevar o número de mortos para mais de cem. A Defesa Civil informou que quase 80 mil pessoas estão sem ter onde morar. Em Itajaí, 48 mil de cerca de 150 mil habitantes deixaram suas casas.

Segundo a Defesa Civil, não há mais cidade totalmente isolada em Santa Catarina. Desde domingo, oito municípios chegaram a ficar incomunicáveis. A situação, no entanto, ainda é crítica. O governo decretou estado de calamidade em 12 municípios, incluindo Itajaí e Blumenau.

Em Itajaí, que teve 80% de sua área coberta de água, moradores andam pelas ruas assustados, não só com o cenário desolador, mas com a aproximação de pessoas estranhas, com medo de assaltos. A Secretaria de Segurança Pública mandou ao município homens armados.

Depois de receber a cesta básica em pontos de abastecimento, os moradores atingidos são acompanhados à distância por policiais militares até a chegada ao abrigo ou a suas casas. Há policiais fazendo ronda até na área de separação de alimentos e roupas. Caminhões do Exército também são vistos pela cidade. Alguns policiais à paisana fazem a escolta dos caminhões que entregam donativos aos desabrigados e desalojados.

Quem desrespeitar a operação de segurança, batizada de "Proteção à Vida", será detido. O comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, Eliésio Rodrigues, informou que pessoas nas ruas serão abordadas. Quem não comprovar que reside na área será orientado a ir para casa:

- Caso contrário, vai preso. O controle de circulação é para acabar com a idéia de caos e dar segurança.

Ao menos quatro supermercados e farmácias foram saqueados nas últimas 48 horas. A polícia prendeu 28 pessoas nos últimos dias, inclusive uma mulher que deixava um dos supermercados junto com o filho de 15 anos levando papel higiênico.

O controle de circulação em Itajaí foi decidido em reunião das polícias Civil e Militar com empresários, comerciantes e representantes de associações de moradores, e atinge principalmente bairros onde não foi restabelecido o fornecimento de energia. O controle também será feito nos abrigos. Os policiais foram mandados para a área central da cidade, onde fica a maior parte do comércio, e para acompanhar a movimentação nas filas criadas por moradores que tentam conseguir alimento. O vice-governador, Leonel Pavan, admitiu o atraso de iniciativas para combater saques. Segundo ele, as equipes policiais tiveram dificuldade de agir em razão das proporções da tragédia.

- Esse controle de circulação vai dar mais tranqüilidade - afirmou.

Nos bairros mais afetados pelos alagamentos, pessoas começaram a voltar ontem para casa. Enquanto esperava pela cesta básica, a dona de casa Tânia Regina de Brito contava ter visto a ação de saqueadores:

- Voltei para casa quando a água baixou porque tenho medo que levem o que tenho.

oglobo.com.br/pais