Título: Com ruas ainda repletas de lama, Ilhota tenta se recuperar do drama
Autor: Daflon, Rogério
Fonte: O Globo, 28/11/2008, O País, p. 4

TRAGÉDIA SOB AS ÁGUAS: Em Luiz Alves, solidariedade para ajudar as vítimas

Morador perdeu 2 filhos e a mãe e procura por mulher e filha desaparecidas

ILHOTA (SC). O pranto nas cidades de Ilhota e Luiz Alves é algo incessante. A primeira concentra o maior número de mortes provocadas pelas fortes chuvas em Santa Catarina: 32, além de seis pessoas desaparecidas. A segunda soma cinco mortes. São municípios vizinhos que lutam para lidar com a tragédia. Não está sendo fácil. A forma encontrada por frei Márcio foi a de trocar as palavras num funeral por um silencioso abraço no motorista de caminhão Zaíro Zabel, de 37 anos.

- Temos que dar muito apoio a esse homem - disse o frei, no cemitério de Ilhota.

A descrição de tudo que Zaíro vem enfrentando é chocante. Sua filha Larissa, de 4 anos, está desaparecida; sua mulher, Dione, de 37, também. Outros dois filhos, Marques, de 13, e Marcelo, de 7, já foram enterrados, assim como a mãe do motorista, Laudecinda, de 63. O funeral no qual estava presente era de seu sobrinho, Miguel, que morreu prematuro, na barriga da mãe, Giovana, a irmã do motorista, que está em estado grave no hospital municipal de Ilhota. No cemitério municipal, havia mais um enterro, de outra vítima da tragédia.

Ilhota não está devastada só emocionalmente. A rua principal da cidade está coberta de lama. Suas casas foram invadidas pelo Rio Itajaí-açu, de tal forma que nelas se vêem galhos de árvore, como se a floresta entrasse nas residências.

O marceneiro Odemar Stein, à semelhança de Zaíro, enfrenta um grande sofrimento. Sua mãe, Elza Stein, morreu na tragédia, aos 68 anos. Morador de Luiz Alves, ele a encontrou anteontem, dois dias depois de ela ter sido soterrada por um barranco:

- Achei um álbum de retrato de nossa família na lama e, ao seu lado, estava minha mãe.

Odemar perdeu sua casa e a fabriqueta de pré-moldados, que ficaram debaixo do barro que desceu do morro da localidade de Alto Serafim. Chorando muito, ele era consolado por um irmão, pela mulher e o filho, de três anos. Todos estavam num abrigo improvisado.

- Temos que saber o que vai acontecer com a estrada que leva a Alto Serafim, que está destruída. Dependemos dela para tentar reerguer nossa vida. É nela que temos terrenos - desabafou Odemar.

Outros quatro mortos deixaram a cidade ainda mais atormentada. Um bebê de sete meses, Edson Luis Reinert, e um primo dele, Maicon Reinert, de 24. E Maria Salete Bittencourt, de 40 anos, que foi encontrada abraçada a seu único filho, Francisco Bittencourt, de 3.

Algumas pessoas encontraram força para vivenciar a tragédia com solidariedade. Em Luiz Alves, o grande exemplo foi dado pela pedagoga Maria Salete Crós, de 36 anos. Presidente do Conselho Tutelar da cidade, Maria Salete reuniu 150 pessoas para ajudar as famílias das vítimas, desabrigados e desalojados:

- Há mais gente ajudando na nossa cidade. Muitas delas estão recebendo pessoas em suas casas. Os jipeiros (motoristas de jipes) estão tirando pessoas de áreas de risco. Estamos recebendo donativos e distribuindo.

O auxiliar de produção é Valcir Nunes perdeu a casa destruída por uma barreira e teve de adiar o sonho de se casar com a costureira Juliana Rinco.

Arlindo Artner, delegado de Luiz Alves, usou a delegacia como ponto de encontro da ajuda humanitária. Ele contou que as pessoas estão relacionando a tragédia a duas explosões recentes do gasoduto Brasil-Bolívia que corta a cidade:

- Não acredito nisso. Vou abrir um inquérito e chamar geólogos para averiguar se há alguma relação, mas acho que o homem vem maltratando muito a natureza em Luiz Alves, e ela deu uma resposta. O rio Itajaí-açu está cada vez mais assoreado e aqui há um grande número de madeireiras.

As madeireiras são inúmeras na cidade e algumas ficam bem próximas do rio. Mas a principal atividade econômica do município é a exportação de banana, para a Argentina e para o Uruguai. Moradores disseram que tal atividade não foi tão afetada pelas chuvas. Em Ilhota, as pequenas fábricas de lingerie são a principal fonte geradora de renda. E a maioria ficou de pé.

oglobo.com.br/pais