Título: A gente é refém dos meninos
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 30/11/2008, O País, p. 3

Na porta de escola em Brasília, aluno saca arma e atira em colega.

BRASÍLIA. Em outras escolas públicas do Distrito Federal, a rotina é de tráfico de drogas, tiros, ameaças, agressões, roubos, gangues, violência sexual e medo. O mais recente diagnóstico, realizado entre 2006 e 2008, mostra que sete em cada dez alunos diziam ter conhecimento de casos de agressão e furto; 23% sobre tráfico de drogas; e 20% sobre porte de armas de fogo. Tudo dentro da escola.

Em Ceilândia, a 40 quilômetros de Brasília, o Centro de Ensino Fundamental 19 (CEF 19), com 1.300 alunos, é um retrato das estatísticas.

O GLOBO ouviu professores e estudantes do CEF 19 na quarta-feira. Eles só aceitaram dar entrevista com a condição de que seus nomes não fossem revelados. Nenhum quis aparecer em fotos. Todos pediram a presença de policiamento ostensivo no local.

No mesmo dia, por volta das 13h, quando chegavam as turmas da tarde, dois ex-alunos discutiram na esquina. Um deles sacou uma arma, fez pelo menos quatro disparos e fugiu. A vítima, levada ao hospital, se recupera.

¿ Estava chegando à escola. Escutei os tiros. Pelo retrovisor vi o rapaz correndo com a arma. Fiquei apavorada e buzinei para que abrissem o portão ¿ conta uma professora.

Dentro do CEF, a correria foi grande. Professores saíram à rua e gritaram para que os alunos entrassem logo. Ninguém precisou apresentar caderneta escolar ao porteiro.

Na rua ao lado, comenta-se, há um ponto de venda de drogas.

¿ A gente é refém dos meninos. Quando eu passo, eles ficam ali na esquina dando tchau, mandando beijo. Não mexem com a gente. Eu não concordo com o que fazem, mas prefiro dar tchau a trombar de frente. Morro de medo ¿ diz uma professora.

¿ Sabemos que vários são metidos com a marginalidade. Mas aqui dentro conseguimos construir uma relação de respeito ¿ diz outra.

Na semana anterior, o CEF 19 já tinha vivido um susto. Recém-transferido para a escola, o estudante Jheyson Teixeira Rodrigues, de 18 anos, entrou no pátio com dois amigos. O trio teria pulado o muro para intimidar colegas de Jheyson que, dias antes, o obrigaram a apagar uma pichação na sala de aula. Dezenas de estudantes passaram a perseguir os invasores. Os três correram para o banheiro dos professores, onde se trancaram. Os demais alunos foram contidos pelos mestres. Depois, em segurança, xingaram professoras e saíram fazendo ameaças:

¿ Eles me chamaram de piranha e vagabunda. O aluno disse que seu tio era traficante e que ia voltar e matar todo mundo. Só não ocorreu um massacre porque não deixamos ¿ diz uma professora.

No dia-a-dia, há agressões de todo tipo. É comum funcionários levarem alunos em casa de carro para evitar que sejam agredidos na saída.

A relação com os pais dos estudantes também é difícil. Após uma briga entre alunas, os pais foram chamados. Um deles partiu para cima da menina que agredira sua filha, acertando-lhe um tapa. Foi levado à delegacia. Uma professora conta que, após relatar as dificuldades de um estudante à mãe dele, a mulher começou a bater a cabeça da criança contra a parede.

O delegado da 23ª DP em Ceilândia, André Luiz Fonseca Sala, diz que a polícia corre o risco de ¿enxugar gelo¿ se as causas estruturais não forem atacadas:

¿ A solução passa por políticas que não a segurança pública. Quando o problema da escola chega a uma delegacia, é porque o resto falhou. (Demétrio Weber)

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