Título: Operação fora do padrão
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 29/11/2008, Economia, p. 37

CEF não consultou auditores antes de conceder crédito de R$2 bi à Petrobras, contrariando a praxe

Gustavo Paul

Devido ao tamanho e ao ineditismo do empréstimo de R$2 bilhões feito pela Caixa Econômica Federal (CEF) à Petrobras, os auditores da instituição financeira avaliam que deveriam ter sido consultados previamente para verificar os termos e as condições do negócio. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Auditores Internos do banco (Audicaixa), Antonio Augusto de Miranda e Souza, apesar de não ser obrigatória, essa consulta seria um procedimento desejável e prudente nesse caso atípico, que daria mais conforto à direção da Caixa na tomada de decisão.

- Este é o maior empréstimo individual dado pela Caixa até hoje. Em que pese ser a Petrobras, é uma situação atípica, não só pelo montante como também pelo direcionamento dos recursos. Foi uma operação singular, inclusive pela forma de divulgação - diz Souza.

O anúncio do acordo despertou curiosidade entre os 370 auditores da instituição. Eles só ficaram sabendo por meio de uma notícia, em tom entusiasmado, divulgada em 31 de outubro na intranet (página interna) da Caixa. O texto, com a foto de apertos de mãos no ato da assinatura do contrato, cita o vice-presidente de Atendimento da Caixa, Carlos Borges, para quem a transação concretiza uma parceria iniciada em 1999 com a Petrobras e indica que a instituição quer fazer dele uma alavanca para novos negócios.

"A Caixa vive um momento privilegiado, com o reconhecimento do mercado de que somos também um banco comercial. Essa operação fortalece a parceria de duas grandes empresas que são instrumentos da política de desenvolvimento social do país", afirmou Borges na nota.

O texto ainda registra o depoimento do diretor de Finanças da Petrobras, Almir Barbassa, que comemorou a assinatura do contrato. Para ele, seria a evidência de que o Brasil caminha na direção certa. "É auto-suficiente em todos os sentidos, incluindo o financeiro, ao obter um empréstimo dessa magnitude de uma empresa brasileira", afirma a nota, reproduzida no site da Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa).

Para os auditores, em uma avaliação preliminar, não há indícios de problemas técnicos ou legais no acordo. Segundo Souza, não haveria impedimento de a Caixa emprestar para uma empresa de petróleo, apesar de a maior parte de os financiamentos da instituição ser destinada à habitação. Em setembro, do estoque de empréstimos de R$69,168 bilhões, 59% foram para habitação, 18%, para pessoas físicas, 14%, para pessoas jurídicas, e 6,7%, para financiamento de saneamento e infra-estrutura.

- Esse tipo de operação costuma ser feito para bancos que atuam no atacado, como os bancos de investimento. A Caixa é um banco de varejo, voltado a pequenos e médios negócios - ponderou Souza.

Um dos aspectos a chamar a atenção foi o tamanho do negócio, bastante próximo do limite de 25% do patrimônio de referência para empréstimos a uma só empresa, que é de R$2,2 bilhões. Pelas regras do Acordo da Basiléia, que tratam da boa gestão bancária, uma instituição só pode emprestar até esse percentual para um único tomador. Segundo o auditor, a prática recomenda que empréstimos desse vulto não fiquem concentrados em uma única instituição financeira:

- Normalmente, eles (as empresas) se valem de um pool de bancos para empréstimos desse tamanho. O montante emprestado representa 90% do valor permitido para a Caixa. Isso não representa um problema, mas não pudemos avaliar os detalhes. Há um total desconhecimento das razões que cercaram essa apuração.

As auditorias, em geral, são planejadas com antecedência. As não previstas têm a anuência da direção da Caixa. Em casos rumorosos, os auditores são acionados. Um deles foi a avaliação dos contratos arrolados na Operação João de Barro, deflagrada em junho, que investigou desvios de recursos repassados pela União a estados e municípios em convênios ou empréstimos cedidos pela Caixa. Os auditores também fizeram uma devassa nos contratos envolvendo a Construtora Gautama, denunciada por desvio de dinheiro público.

Abimaq critica empréstimo

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde o PSDB quer armar a trincheira para a discussão do empréstimo, rebateu ontem a leitura de que as duas estatais estão atuando de forma equivocada e que houve uso político do negócio. Segundo ele, como os demais países desenvolvidos, o governo tem trabalhado de forma articulada e, no caso de uma estatal como a Petrobras, essa atuação é justificada por sua influência na economia do país. O senador lembrou que a estatal responde por 10% do Produto Interno Bruto (PIB), como líder da cadeia petrolífera, e 12% das receitas da União.

Segundo uma fonte de primeiro escalão, o Palácio do Planalto está tranqüilo. Para o governo, a Petrobras tem geração de caixa próprio, suficiente para se manter. Avalia-se que toda a operação foi normal, motivada pela necessidade de pagar um volume não previsto de impostos em outubro:

- Não entendemos como se pode dar ao tema um tratamento de algo grave. Não podemos transformar a Petrobras em briga política - diz a fonte.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, criticou a operação:

- A indústria de máquinas e equipamentos exporta cerca de 30% de sua produção, mas não consegue financiamento nem do Banco do Brasil nem da Caixa, que cobram juros elevados do setor privado.

COLABORARAM Geralda Doca e Ramona Ordoñez