Título: Ministro do STJ vira réu
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 27/11/2008, Rio, p. 13

STF abre processo contra Paulo Medina e mais 2 magistrados acusados de beneficiar bicheiros

Catarina Alencastro

OSupremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem processo penal contra o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina, seu irmão, o advogado Virgílio Medina, o desembargador da segunda região do Tribunal Regional Federal José Eduardo Carreira Alvim, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas Ernesto Luz Pinto Dória e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. A partir de agora, Paulo Medina é réu e responderá a processo por corrupção passiva e prevaricação. Virgílio responderá por corrupção passiva; Carreira Alvim, por corrupção e formação de quadrilha, crime de que também são acusados Dória e Pereira. O grupo é suspeito de participar de um esquema de venda de sentenças para contraventores donos de bingos e caça-níqueis no Rio de Janeiro.

A maioria dos ministros do Supremo entendeu que havia indícios suficientes para aceitar a denúncia do Ministério Público Federal. O MP queria ainda que Medina respondesse por formação de quadrilha, acusação rejeitada por cinco dos nove ministros que votaram. Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes Direito se declararam impedidos de julgar a denúncia e não participaram da votação.

A corte determinou ainda o afastamento dos magistrados acusados até o final do processo, como determina a Lei Orgânica da Magistratura - o procurador não é atingido pela medida. Paulo Medina já estava afastado, segundo seu advogado, desde a deflagração da Operação Hurricane, realizada pela Polícia Federal no ano passado. No entanto, ele continua recebendo salário do STJ.

Propina de R$1 milhão

A investigação da Polícia Federal que resultou na operação durou um ano e três meses. Entre escutas telefônicas e ambientais, foram registradas cerca de 40 mil horas de diálogos entre os envolvidos. O relator da denúncia no STF, ministro Cezar Peluso, votou pela aceitação de todas as acusações. Entre os delitos que Medina teria praticado, está a concessão de uma liminar devolvendo máquinas de jogo aos empresários de bingos. Para isso, ele teria recebido parte de uma propina de R$1 milhão. O relator lembrou que analisava apenas a validade da denúncia, e não o mérito das provas coletadas pela polícia.

- Há uma série de ações simultâneas que referem à ligação do acusado com membros da quadrilha. Há alguma verossimilhança, não prova, nos fatos narrados na denúncia? Eu diria que sim. Para eu não admitir, ignorando os fatos descritos e os elementos que suportam a denúncia, teria que imaginar que houve uma conspiração contra os denunciados para urdir contra eles a imputação de fatos absurdos. Por quê? A que título? O que teriam feito os acusados contra terceiros para que estes imputassem indícios contra eles? Eu não tenho elementos para responder - disse Peluso em seu voto.

Os ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Celso de Mello acompanharam o voto do relator integralmente. Ricardo Lewandowski e Eros Grau votaram por aceitar apenas corrupção passiva e prevaricação. Em seu voto, Lewandowski disse que, para se caracterizar formação de quadrilha, é preciso que o acusado atenda ao critério de permanência na quadrilha e que Medina, se participava do esquema, o fazia apenas de forma pontual.

- Salta à vista que, mesmo que Paulo Medina tenha cometido, em tese, o crime, não há como deduzir dos fatos que ele tenha se associado de forma permanente a uma suposta quadrilha de caça-níqueis - argumentou.

Advogado seria lobista

Carmen Lúcia aceitou somente a denúncia de crime de prevaricação, por Medina ter supostamente atrasado em nove meses a análise de um processo de um dos interessados, o delegado Edson Oliveira, com intenção de levar à prescrição do crime. Para o ministro Gilmar Mendes, apenas o crime de corrupção deveria ser julgado. O único a votar contra o julgamento das três acusações foi Marco Aurélio Mello. Ele rechaçou a acusação de prevaricação, lembrando aos colegas que um ministro de tribunal trabalha sob uma imensa carga de processos, o que causa atrasos. Como exemplo, citou que, em seu próprio gabinete, cerca de dez mil processos aguardam avaliação.

- Envolve-se ele, Paulo Medina, para atender aos pleitos do grupo, recebendo vantagem indevida? Qual o sinal de recebimento? Onde há indício mínimo dessa participação? Não se tem - disse Marco Aurélio, complementando que o único indício que denota a participação do ministro no caso é o sobrenome em comum com Virgílio Medina.

Segundo a denúncia do MP, o advogado era o lobista do grupo e fazia a ligação entre os empresários e os magistrados.

O advogado de Paulo Medina, Antônio Carlos Almeida Castro, afirmou, ao final da sessão, que seu cliente está muito doente e dificilmente voltará ao STJ. Mas disse estar certo de que o ministro, ao final do processo, poderá olhar seus acusadores de frente.

- Não há uma única gravação que o ligue à quadrilha. Todos foram unânimes em dizer que não há prova de culpabilidade - disse.

Paulo Medina escreveu ontem uma carta para o site Consultor Jurídico, na qual diz que é inocente e lembra ter 40 anos de magistratura. "O inquérito nada revela: indícios inexistentes, adminículo (elemento que pode ajudar a provar algo) probatório que nada traduz senão irresponsável ilação de meus acusadores - policiais federais e Ministério Público -, o que não basta como suporte a embasar a ânsia da acusação. Sou inocente. Não se destroem reputações públicas e a privacidade de pessoas pela suspeita das paixões e do furor acusatório de vestais da moralidade, instaurando-se a ação penal", diz.

Se condenado, Paulo Medina receberá pena de dois a 12 anos de prisão por corrupção e de três meses a um ano por prevaricação.

COLABOROU Antônio Werneck