Título: A opinião pública não se assusta com a exploração sexual de crianças
Autor: Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 30/11/2008, O País, p. 12

Representante do Unicef vê avanços no país, mas aponta tolerância ao crime.

Representante do Unicef no Brasil, a francesa Marie-Pierre Poirier participou do 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que aconteceu no Rio na semana passada. Para ela, o Brasil avançou no combate a esse tipo de crime, mas ainda há um grande desafio. Marie afirma que existe na sociedade uma tolerância em relação à exploração dos jovens. A representante do Unicef acredita que governo e sociedade podem mudar esse quadro.

Fábio Vasconcellos

O Brasil tem conseguido enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes?

MARIE-PIERRE POIRIER: Vemos um país que está tentando pesquisar, analisar e desenvolver formas de conhecer o problema, o que é um aspecto muito positivo. O Brasil passou a enfrentar essa questão de maneira multissetorial e sistêmica, e essa foi uma das razões pelas quais o país foi escolhido para sediar o 3º Congresso Mundial.

Então há avanços?

MARIE: Percebo avanços concretos. Mas entendo como desafio para o Brasil trabalhar com a sociedade uma cultura de não aceitação. Você nota um fenômeno de exploração sexual nas praias do Nordeste. Como é que em países da Europa você não vê um adulto entrando (num apartamento) com uma menina de 16 anos? Por que isso pode acontecer no Brasil? Porque a opinião pública não se assusta. Acho que temos um marco legislativo positivo até muito avançado. Temos mais e mais gente qualificada. O que tem que mudar é a percepção da sociedade. Tem que desenvolver uma cultura muito firme de tolerância zero.

Falta então à sociedade brasileira se chocar com a violação pública e explícita?

MARIE: Acho que sim. Por que esse fenômeno desapareceu em países mais desenvolvidos? Porque essas sociedades não permitem mais. A opinião pública se emociona. Isso cria uma reação enorme na sociedade.

As crianças estão vulneráveis na escola?

MARIE: A escola é um lugar que pode se tornar muito perigoso para muitas crianças, mas nós do Unicef estamos tentando, com o apoio do Ministério da Educação, reverter isso e tornar o professor um aliado para ajudar a detectar (os casos de abuso). O professor pode ser um agente que ajuda a identificar esses problemas. Não digo identificar aspectos físicos, mas comportamentais das crianças que estão passando por esses problemas.

Qual é a relação da mídia com a questão da erotização dos jovens?

MARIE: Acho que é um desafio. Falou-se muito no congresso sobre a responsabilidade de cada ator da sociedade, como a imprensa. Qual é, por exemplo, o papel entre o equilíbrio de fazer sonhar e o papel educativo da sociedade? Esse é um desafio sobre o qual a sociedade deve refletir.