Título: Escuta da Polícia Federal registrou ordens de matar 4
Autor: Werneck, Antônio
Fonte: O Globo, 30/11/2008, Rio, p. 15

Gravações de supercomputador documentam assassinatos praticados a mando do contraventor Fernando Iggnácio

Antônio Werneck

Uma diferença de tempo entre a captação e o processamento de dados de interceptações telefônicas produzidas pelo supercomputador Guardião, durante a Operação Gladiador, levou a Polícia Federal a ignorar pelo menos quatro assassinatos praticados a mando do contraventor Fernando Iggnácio, durante a guerra dos caça-níqueis na Zona Oeste do Rio. As escutas foram feitas entre agosto e outubro de 2006, quando policiais federais da Diretoria de Inteligência Policial (DIP) monitoravam a cúpula da contravenção, policiais, jornalistas e até importantes autoridades do estado.

Durante a investigação da Polícia Federal, o Guardião registrou todas as ações das quadrilhas que disputam o controle do jogo ilegal no Rio. Do grupo do contraventor Fernando Iggnácio, acompanhou do planejamento até a execução de homicídios na Zona Oeste do Rio. O problema é que os policiais federais só ficaram sabendo depois, quando as mortes já haviam sido consumadas. Morreram o cabo da PM Gilmar Simão; a dona-de-casa Judith da Rocha Pinto Reis; Manoel dos Santos Filho; e o sargento PM Michelle Aurélio Lo Monaco.

Bombeiro escapa e um PM morre

O GLOBO teve acesso às escutas e aos relatórios da PF. O sargento PM Michelle foi executado no dia 30 de outubro de 2006, em Padre Miguel. O alvo dos assassinos era o sargento do Corpo de Bombeiros Carlos Arraes Tavares, mas ele acabou sobrevivendo ao atentado com um tiro de raspão no pescoço. Michelle morreu na hora, com um tiro na cabeça. Ele estava ao lado do bombeiro. No dia seguinte à tarde, um dos integrantes da quadrilha ligou para Fernando Iggnácio, na época cumprindo pena na carceragem da Polinter, em Campo Grande. A conversa foi toda captada pelo Guardião:

¿ Trabalho realizado, OK?

¿ Ah, maravilhoso. Tá ótimo. Bem resolvido, bem dado também lá o recado para a coisa ficar certa ¿ comemora o contraventor.

O supercomputador também gravou os diálogos que antecederam o atentado. Os autores do crime aparecem planejando o ataque. Depois de consumado, o contraventor é novamente consultado sobre a forma de pagamento. Fica estabelecido um ¿prêmio¿ de R$12 mil. Todos os mortos supostamente estariam envolvidos com o contraventor Rogério de Andrade. Os policiais que morreram ou ficaram feridos seriam responsáveis pelo quebra-quebra de máquinas caça-níqueis na Zona Oeste.

Uma das mortas, a dona-de-casa Judith da Rocha Pinto Reis, era ex-mulher de um aliado de Fernando Iggnácio. Foi executada no dia 5 de outubro de 2006 por dois motivos: o ex-marido descobriu que ela o traía antes mesmo da separação e passava informações para o bando de Rogério Andrade.

A Operação Gladiador levou um ano e cinco meses sendo preparada. Ela foi deflagrada em dezembro de 2006, desarticulando uma quadrilha formada por policiais civis e militares, que garantia proteção aos contraventores Rogério Costa de Andrade e Silva e Fernando de Miranda Iggnácio. Com base em interceptações telefônicas, a 4ª Vara Criminal da Justiça federal concedeu 45 mandados de prisão, entre eles um em nome do então comandante do 14º BPM (Bangu), coronel Celso Lacerda Nogueira.

Na mesma investigação, a PF solicitou a prisão do delegado Álvaro Lins, ex-chefe de Polícia Civil, e de quatro inspetores. A Justiça, no entanto, não concedeu a prisão do delegado porque, quando os mandados de prisão foram expedidos, Álvaro Lins já havia sido diplomado como deputado estadual. Lins, que acabou preso em outra operação da Polícia Federal (Segurança Pública S/A), cumpre pena em Bangu 8. Ele teve seu mandato cassado este ano.

O grupo é acusado de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e ligação com a máfia dos caça-níqueis e com o crime organizado. As interceptações comprovaram o envolvimento de 45 pessoas nas quadrilhas de Fernando Iggnácio e Rogério Andrade. Todas estão denunciadas e respondem a processo na Justiça Federal do Rio.

Em outro caso, ocorrido no dia 8 de setembro de 2006, o supercomputador Guardião passou a monitorar o telefone de Marcos Paulo Moreira da Silva, o Marquinho sem Cérebro. Conversando com outros membros da quadrilha de Fernando Iggnácio, Marquinhos identifica um homem responsável por destruir máquinas caça-níqueis de seu ¿patrão¿, sob ordens de Rogério Andrade. Por volta das 16h40m, Marquinhos e mais três pessoas metralham o carro onde o homem estava, na Rua Tocariva, em Realengo. Pensando ter matado o homem, Marquinhos liga para Fernando Iggnácio e diz: ¿Bingo¿.

O homem, no entanto, conseguiu sobreviver. Mas no atentado um adolescente de 16 anos, identificado como Marcos Tiago Antônio Domingos, doente mental, foi baleado. Os detalhes dos crimes ilustram denúncia do Ministério Público Federal, encaminhada à Justiça Federal. Pelo teor das denúncias, o processo corre em segredo de Justiça.