Título: Equador quer, na verdade, que Brasil perdoe dívida de US$554 milhões
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 30/11/2008, Economia, p. 26

MUY AMIGOS: Precedente viria da Noruega, também pressionada por Correa.

Maior parte é em financiamentos do BNDES para projetos da Odebrecht.

O objetivo do governo do Equador é conseguir do Brasil "perdão" para a dívida acumulada de US$554 milhões - a maior parte (US$462 milhões) relativa a financiamentos do BNDES para projetos de infra-estrutura executados pela empreiteira Odebrecht.

Há precedente: no ano passado, a Noruega anulou US$35 milhões em dívidas para a compra de barcos pesqueiros pela estatal Frota Bananeira Equatoriana.

A empresa faz parte de uma parceria do Estado (99% das ações) com a família Noboa Naranjo (1%), uma das mais ricas do país. O sócio privado ficou com a administração da frota, voltada para o transporte das bananas exportadas pela família Noboa Naranjo.

O negócio prosperou até o início desta década, quando os barcos entraram na fase de obsolescência e o clã vendeu suas ações. O governo equatoriano assumiu 100% do capital mais a dívida externa e uma frota sem capacidade de navegação.

Essa fatia da dívida equatoriana já motivava protestos de redes de ONGs no Equador e na Europa quando Rafael Correa assumiu o poder, em janeiro do ano passado. O Parlamento norueguês aceitou a pressão e "perdoou" esses débitos.

Para Correa serviu de estímulo a auditoria com a cooperação de ONGs empenhadas na defesa dos interesses de países pobres. Instaladas na América do Sul, Europa e EUA, desde o fim dos anos 80, parte está agrupada na Rede Jubileu, que tem respaldo da Igreja Católica e do PT - entre os conselheiros nacionais está o senador Eduardo Suplicy. As ONGs brasileiras têm no histórico uma meia-vitória de lobby político: conseguiram inscrever na Constituição de 1988 a obrigatoriedade de auditoria na dívida do país - até hoje não realizada.

Revisão da dívida externa é apoiada por ONGs

Alguns ativistas brasileiros têm reputação de especialistas. Um deles é Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco). Outro é Rodrigo Ávila, economista, coordenador da ONG Dívida Cidadã e assessor da liderança do PSOL na Câmara dos Deputados. Ambos trabalharam para o governo do Equador na comissão de auditoria, cujo resultado deflagrou uma crise política com o Brasil. Nessa disputa, o PSOL alinhou-se ao governo Correa: "Ao invés de reconhecer o grave prejuízo causado ao povo do Equador, o governo Lula preferiu tomar partido pela Odebrecht, chantageando e retirando o embaixador brasileiro do Equador" - disse em nota divulgada na semana passada.

Para a auditora e o economista foi algo mais que uma experiência de auditagem:

- Foi extraordinário examinar 30 anos de história pelos contratos bancários. Trabalhei 18 horas por dia, de abril a setembro - conta Maria Lúcia. - Só a análise da dívida comercial tem mil páginas, mais a documentação entregue ao Arquivo Nacional. Encontramos muitas ilegalidades.

Rodrigo Ávila viajou a Quito algumas vezes:

- Constatamos, sim, inúmeras ilegalidades, até títulos de dívida sem registro oficial.

Outros militantes de ONGs e de partidos políticos - do PT ao PSTU - também participaram, fazendo traduções e análises de contratos financeiros. Em Belo Horizonte, por exemplo, atuaram os economistas Dirlene Marques e Gabriel Strautman.

Os contratos do Equador com o BNDES foram examinados por uma ONG carioca, o Instituto de Pesquisas Sociais, Econômicas e Educação, coordenada pelo economista Marcos Arruda:

- Foi uma colaboração pontual. Verificamos como esses contratos combinavam ou não com a legislação brasileira e equatoriana - ele conta.

Como os demais que participaram da auditoria, Arruda acha que o Brasil deveria agir em relação ao Equador como fez a Noruega, "perdoando" a dívida.

- Isso já aconteceu aqui, no início da década de 30. No período Getulio Vargas, o Oswaldo Aranha renegociou e conseguiu reduzir em mais de 50% o estoque da dívida. Com isso, o governo pode preparar o terreno para a modernização do parque industrial do país.

No fim de setembro, quando Maria Lúcia retornou a Brasília, o presidente do Equador já tinha cópia do relatório final. O Brasil era destacado: "Os três contratos principais (com a empreiteira Odebrecht) pelo valor de US$464,2 milhões terminaram em US$831 milhões, quer dizer 80% a mais do que o contratado. O governo do Brasil, através do Banco do Brasil, foi a entidade que financiou. Existe co-responsabilidade das entidades financeiras brasileiras BNDES e Banco do Brasil, ao tomar parte nessa cadeia de operações."

Rafael Correa decretou intervenção com tropas militares nos canteiros de obras da Odebrecht, bloqueou os bens da empreiteira e da estatal Furnas, responsável pela fiscalização, e proibiu que os funcionários brasileiros saíssem do Equador. Por fim, anunciou o calote.

O embaixador do Brasil em Quito, Antonino Porto e Santos, acolheu dois diretores da Odebrecht:

- Disse que seriam muito bem-vindos lá em casa. São criaturas excelentes - contou no Senado, na semana passada.

O presidente Lula recebeu a notícia durante uma viagem a Nova York. E comentou:

- Não tem jeito. O Brasil tem o papel de ser cobrado, porque somos o maior.