Título: Divergências atrasam reação da UE à recessão
Autor: Berlinck, Deborah; Magalhães-Ruether, Graça
Fonte: O Globo, 30/11/2008, Economia, p. 30

Principais potências européias, Alemanha e França discordam sobre ações para estimular economia do bloco.

PARIS e BERLIM. Em outubro, quando os EUA afundavam na pior crise financeira desde 1929, a Europa viveu um instante de glória ao lançar rapidamente um pacote ambicioso para salvar os bancos. Os otimistas declararam: o velho continente assumiu o comando. "Ilusão!", responderam os pessimistas. Hoje, diante de um quadro de recessão, a Europa está dividida quanto ao caminho a seguir para estimular o crescimento, enquanto os EUA, com a eleição de Barack Obama, se reinventam.

Para o economista Eloi Laurent, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), a crise será o maior teste da história econômica do bloco :

- É o momento da verdade para a Europa econômica e monetária. A imagem da Europa de hoje é de desunião.

A crise, segundo ele, coloca em questão o próprio modelo de governança dos europeus. Isto é, a capacidade da Europa de reagir com rapidez e de prosperar. Laurent diz que a Europa tem regras muito rígidas, que dão prioridade à estabilidade de preços, isto é, o combate à inflação, e não favorece a prosperidade.

Para ele, dez anos após a introdução do euro, os 15 países que adotaram a moeda, entre eles, França e Alemanha - os dois motores do bloco -, estão em pior estado do que no período em que tinham suas moedas nacionais, ficando atrás também da Grã-Bretanha, que não adotou o euro. E as medidas mais audaciosas do bloco estão partindo do país que escolheu ficar fora do euro: a Grã-Bretanha de Gordon Brown.

- O Banco Central Europeu (BCE) entrou atrasado na crise. Elevou os juros em julho de 2008. E hoje está muito prudente: na próxima semana deverá cortar em meio ponto os juros, quando seria preciso uma baixa de 1,5 ponto percentual - diz.

"O problema não é a Europa: é o tamanho da crise"

A visão pessimista de Laurent não é compartilhada por Jakob von Weizsacker, do Bruegel, um centro de pensadores de Bruxelas. Para ele, a Grã-Bretanha cresceu mais que a França ou a Alemanha, mas está sofrendo tanto quanto ou mais com a crise. Na zona do euro, a Irlanda cresceu mais ainda. Weizsacker diz que a Europa tem reagido mais rápido à crise do que muitos imaginam. A visão é compartilhada por Zadi Laidi, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Políticos, em Paris.

- O problema não é a Europa: é o tamanho da crise. É tão grande que mesmo quando a Europa estica suas possibilidades, como tem feito, pode não ser suficiente - diz Weizsacker.

Zadi Laidi não tem dúvida: a Comissão Européia, braço executivo da União Européia (UE), sai enfraquecida da crise. A iniciativa parte dos estados.

- É melhor uma coordenação entre os Estados europeus do que nada. Mas, no longo prazo, será preciso uma coordenação econômica e uma regulamentação européia no plano financeiro. Mas os britânicos não querem isso - afirma.

Ele se diz "inquieto" com o desentendimento entre França e Alemanha:

- É preocupante, porque são os dois verdadeiros estados europeus. Se a França e a Alemanha não conseguem chegar a um acordo, significa que a Europa não tem mais liderança política. A Grã-Bretanha não tem estratégia européia.

O teste virá no dia 11, quando a UE decidirá como será repartido o pacote de 200 bilhões (1.5% do Produto Interno Bruto do bloco) que a Comissão Européia anunciou na quarta-feira para estimular o crescimento e o emprego. Desse total, 170 bilhões serão desembolsados pelos 27 países-membros da UE. Os 30 bilhões restantes virão de fundos da UE e do Banco Europeu de Investimentos. A briga agora é: quem vai entrar com quanto e fazendo o quê?

E é nesta discussão que as divisões ficam evidentes. A Grã-Bretanha decidiu sozinha cortar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), sem que França e Alemanha chegassem a um acordo sobre isso. Há pressão para que a Alemanha contribua mais. Mas, como explica von Weizsacker, os alemães acham que fizeram o dever de casa antes (têm um déficit fiscal menor do que o da França): por que, então, devem pagar mais?

Há pelo menos um consenso entre os analistas: Alemanha e França não se entendem. A França defendeu um pacote ambicioso de estímulo ao crescimento. Quer juros mais baixos e um BCE menos obcecado com a inflação. Já a Alemanha vê no discurso do presidente francês, Nicolas Sarkozy, uma forma de afrouxar a disciplina fiscal, explica o economista da Bruegel.

- A posição alemã não ajuda, porque uma situação excepcional como a atual exige ação. Mas a posição francesa também não ajuda: coordenar o tempo todo também não facilita um acordo - diz Weizsacker.

Especialista alerta para o risco de divisão da UE

Para Thomas Steinmann, colunista do jornal "Financial Times Deutschland", a atual crise é o equivalente econômico da crise política da Geórgia.

- As reações à guerra da Geórgia foram opostas. A Alemanha defendia a Rússia enquanto a Inglaterra criticava. Divergências iguais existem agora sobre como combater a crise - afirma ele.

Axel Troost, especialista em finanças do partido "A Esquerda", de oposição da Alemanha, diz que a crise atual traz o risco de divisão da UE, que, pelo excesso de regras, retira dos países a liberdade de ação para combater a recessão:

- O pacote da UE não é nem de longe suficiente para evitar a recessão que atacará a Europa a partir do próximo ano.

Sem uma politica econômica coordenada globalmente a crise pode transformar-se em uma catástrofe, constata o economista Wolfgang Münchau, que vê porém o obstáculo de que na Alemanha "há uma aversão contra programas de conjuntura".

Mas as divergências são não apenas entre os países e a UE. Também dentro da Alemanha há uma discussão veemente sobre o que fazer. Baviera e Baden Wuerttemberg, os estados mais ricos, do sul do país, insistem em uma redução de impostos e aumento do endividamento público para incentivar o consumo.