Título: Aids: apelo em meio à crise
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 30/11/2008, Saúde, p. 45

Especialistas alertam que corte de verbas para epidemia vai agravar situação na África e no Haiti.

Aatual crise financeira global e o fantasma de um período de recessão assombram o mundo e, em particular, os responsáveis pela elaboração de políticas de combate à Aids, na véspera do Dia Mundial de combate à epidemia. Um eventual corte de verbas para os programas de prevenção e tratamento pode impor um significativo retrocesso nos avanços alcançados nos últimos anos, sobretudo nos países mais pobres, que dependem quase que totalmente do financiamento externo. Menos dinheiro significa fim da esperança e morte para milhares de pessoas, alertam especialistas. E pode levar as empobrecidas nações africanas a quadros sociais e econômicos ainda mais dramáticos.

¿ Por mais que os investimentos domésticos tenham crescido, nos países de baixa renda mais atingidos pela doença, como vários da África e o Haiti, a maior parte da conta ainda é paga por recursos internacionais e seguirá assim ainda por um tempo. Não tem como esperar que eles fechem essa conta sozinhos a curto prazo ¿ alerta o diretor de Iniciativas Globais do Programa de Aids da ONU (Unaids), Luiz Loures. ¿ Para fazer frente a uma eventual crise econômica, reduzir os gastos em Aids não é uma opção. Isso poderia, inclusive, potencializar os problemas já existentes, no caso de enfrentarmos um cenário de recessão.

Os recursos internacionais para a Aids aumentaram significativamente nos últimos anos. Para se ter uma idéia, em 1996, quando o Unaids foi criado, eles eram da ordem de US$300 milhões. Em 2007, foram US$10 bilhões. Os especialistas atribuem a esse aumento a redução do número de mortes pela doença e de novas infecções registrada na último relatório global.

¿ É a prevenção que começa a dar resultados importantes, principalmente em países muito afetados da África e no Haiti ¿ explica Loures. ¿ A queda da mortalidade, talvez o fenômeno mais marcante, mais evidente, é basicamente uma resposta à expansão do tratamento, que hoje já alcança 3 milhões de pessoas.

Faltam fórmulas para crianças

Apesar dos avanços, o número de pessoas em tratamento ainda é considerado baixo ¿ a meta é chegar a 10 milhões. Atualmente, 33 milhões de pessoas vivem com Aids, a grande maioria delas na África. A epidemia é uma das principais causas de morte no mundo e a maior na África Subsaariana.

¿ Em suma, segue sendo uma epidemia de grandes proporções e seria irresponsável deixá-la num plano secundário ¿ sustenta Loures. ¿ Temos hoje uma resposta positiva, sem dúvida, mas sabemos que essa resposta está associada ao compromisso político e, sobretudo, ao aumento do financiamento. Se a verba for reduzida, há a possibilidade de recrudescimento da epidemia, com o aumento da transmissão e da mortalidade. E haverá também repercussões em outras questões com impacto no desenvolvimento econômico dos países mais pobres.

Nos empobrecidos países do continente africano, onde, em alguns casos, os percentuais da doença chegam a mais de 20% da população, a epidemia se relaciona diretamente com a economia e com diversas outras questões sociais, uma vez que reduziu a expectativa de vida em dez anos, diminuiu a oferta de mão-de-obra especializada, fez com que os problemas de falta de alimento se agravassem.

¿ Talvez um corte de verbas não tenha tanto impacto nos países desenvolvidos. Mas quem vai pagar o preço? A combinação de redução de acesso a tratamento com aumento do preço da comida, por exemplo, é terrível, extremamente cruel. Não é justo, do ponto de vista da ordem internacional, que os mais pobres paguem esse preço ¿ diz Loures.

Além disso, o ideal seria aumentar o financiamento internacional. O número de pessoas em tratamento é considerada ainda muito baixo, e é ainda mais preocupante quando se fala de crianças, como aponta a representante da Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais de Médicos Sem Fronteiras (MSF), Gabriela Chaves. Em todo o mundo há 2 milhões de crianças infectadas e menos de 10% recebem os medicamentos. Existem atualmente no mercado 22 anti-retrovirais. Somente 13 deles apresentam formulações pediátricas.

¿ Como temos poucas opções, há o problema da resistência. Além disso, desses com formulações pediátricas, muitos não são adequadas para os contextos em que atuamos ¿ explica Gabriela, referindo-se aos países mais pobres. ¿ Por exemplo, muitos demandam uso de água potável, onde não há, e refrigeração, onde não existe eletricidade.