Título: Ex-dono do Banco Santos recebe multa recorde da CVM
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 27/11/2008, Economia, p. 28
Edemar Cid Ferreira terá que pagar multa de R$264,5 milhões. Órgão fiscalizador concluiu que instituição financeira fazia operações ilegais.
O banqueiro Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, recebeu ontem uma multa recorde da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de R$264,5 milhões. Ele foi condenado por negociar debêntures (títulos de empresas privadas) sem autorização da autarquia. A CVM, que fiscaliza o mercado de ações e de fundos de investimento, concluiu que o Banco Santos fazia operações ilegais de reciprocidade. Ou seja, quando os clientes pediam empréstimos, o Santos exigia que eles tomassem recursos além do requisitado e comprassem, com o excedente, papéis de companhias cujas emissões haviam sido estruturadas pelo próprio banco.
Segundo o relator do processo, o diretor da CVM Sergio Weguelin, muitas dessas empresas eram inexistentes ou sediadas em paraísos fiscais. A estimativa é que essas operações tenham chegado a R$1,4 bilhão.
Outra constatação da CVM foi que o banco não separava suas atividades da Santos Asset Management (SAM), braço de gestão do grupo, conforme determina a lei. Segundo a CVM, a SAM aplicava as carteiras dos fundos de investimento sob sua gestão em recebíveis do pagamento destes mesmos papéis, sem qualquer análise de risco.
Multa a 13 ex-executivos soma R$667,975 milhões
Na prática, as empresas quitariam suas debêntures com os investidores, que pagariam seus empréstimos ao banco que, por sua vez, repassaria os recursos para os fundos. Como muitas das empresas não pagaram as debêntures, os tomadores desses papéis deixaram de quitar as dívidas com o Santos, o que ocasionou perdas aos fundos.
- Os cotistas foram ludibriados. Imaginavam que teriam uma gestão competente, enquanto a SAM era quase um preposto do banco - avaliou Weguelin.
Os advogados de defesa de Cid Ferreira não estiveram presentes no julgamento. Procurados, também não quiseram se pronunciar.
As multas totais impostas ontem pela CVM, que atingiram outros 12 ex-executivos do Santos, somam R$667,975 milhões. O valor também é histórico. O recorde anterior era do banqueiro Daniel Birmann, do grupo Arbi, punido com multa de R$247 milhões num processo em que foi condenado por ter se beneficiado de uma reestruturação societária na SAM Indústrias, empresa de seu grupo. Ele foi ainda culpado por abuso do poder de controle.
A Santos Asset Management e o Banco Santos ficarão impedidos de administrar carteiras de terceiros por um período de 20 anos. O filho de Edemar Cid Ferreira, Rodrigo Cid Ferreira, e o sobrinho, Ricardo Ferreira de Souza e Silva, foram inocentados.
O BNY Mellon Serviços Financeiros (empresa do Bank of New York Mellon Corporation), nomeado pelo BC para administrar os fundos após a intervenção, diz que muitos deles já foram liquidados. Hoje, restam apenas dez fundos, com 2.900 cotistas.
Credores reclamam uma dívida de R$3,5 bilhões
Segundo a gerente do departamento jurídico do BNY Mellon, Luisa Saboia, já foram recuperados cerca de R$265 milhões em créditos e mais R$ 20 milhões recentemente, no início de novembro. Desse volume, R$200 milhões já foram destinados aos cotistas.
- São acordos muitas vezes pagos mensalmente ou em alguns anos. A nossa intenção é distribuir os R$20 milhões do acordo recente até dezembro ou, no máximo, janeiro de 2009 - explicou.
Na época da intervenção, os correntistas que tinham depósitos à vista e na poupança tiveram que limitar seus saques a R$20 mil. O administrador da massa falida do Banco Santos, Vânio Aguiar, diz que os credores reclamam uma dívida de R$3,5 bilhões, mas o banco tem apenas R$350 milhões em caixa.
Incluindo as dívidas com investidores que aplicaram nas debêntures das empresas do grupo, Aguiar estima que o passivo atualmente seja da ordem de R$5 bilhões.
Os acusados envolvidos no caso estão com seus bens bloqueados pela Justiça. A discussão agora é sobre o destino da residência de Edemar Ferreira, no Morumbi, onde foram investidos R$150 milhões em reformas e mobília. O banqueiro vive na casa com a família até hoje. Ferreira também era conhecido como mecenas das artes, e tem obras avaliadas entre US$30 milhões e US$100 milhões.
Acusados ainda podem recorrer da decisão
A destinação dos recursos está sendo avaliada pelo STJ, por conflito de competência. A Justiça Federal determinou que os recursos provenientes do leilão da casa e das obras de arte devem ser doados à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e a museus paulistas. Mas os bens fazem parte do patrimônio do Banco Santos, em processo de falência, e há entendimentos de que deveriam ser incorporados pela massa falida.
Os acusados poderão recorrer da decisão da CVM ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, conhecido como "Conselhinho".
Se a multa for mantida, a CVM fará uma cobrança administrativa. Em caso de não pagamento, a Procuradoria da autarquia fará a cobrança via execução fiscal.
A CVM, no entanto, ressalta que a Lei de Falências determina que os créditos dos investidores devem ser pagos primeiro. "Se o patrimônio do Banco for exaurido antes de pagar os investidores, a CVM, conseqüentemente, também não receberá o valor da multa aplicada", esclareceu, por e-mail.
A advogada Gloria Porchat, que defendeu o ex-diretor de recursos de terceiros, Carlos Guerra, e o ex-diretor comercial do Santos, Eliseu Petroni, disse que eles deverão recorrer da decisão. Guerra foi condenado a pagar multa de R$1,5 milhão e foi inabilitado para a administração de carteiras por 20 anos. Já Eliseu Petroni foi condenado a pagar multa de R$400 mil.
- Eles estão com os bens bloqueados. Estão trabalhando em consultorias, mas não têm como pagar a multa - disse Gloria.