Título: Auditor diz que contrato com BNDES é ilegal
Autor: Figueiredo, Janaína; Melo, Lino
Fonte: O Globo, 02/12/2008, Economia, p. 27

Segundo Alejandro Olmos, banco brasileiro condicionou empréstimo à escolha da Odebrecht.

BUENOS AIRES, RIO, SÃO PAULO, BRASÍLIA e QUITO. É "ilegal" o contrato de financiamento assinado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o Equador, na avaliação do historiador argentino e membro da Comissão de Auditoria da Dívida Externa equatoriana, Alejandro Olmos. O presidente da instituição, Luciano Coutinho, não quis comentar a acusação e disse não acreditar em calote generalizado dos países vizinhos, apesar do imbróglio diplomático com o governo de Rafael Correa.

Olmos partiu para o ataque dizendo que é inadmissível o fato de um dos contratos firmados pelo Equador e o BNDES condicionar à liberação do crédito à contratação da Odebrecht. Além do mais, continua, é um contrato que isenta o banco de responsabilidades, em caso de falhas técnicas.

- Isso é feito habitualmente pelo Brasil e é um absurdo. São créditos condicionados. Fica claro que, se a empreiteira não faz o que deve fazer, o BNDES fica isento de qualquer responsabilidade, enquanto o Equador deve continuar pagando a conta - criticou o historiador, antecipando que a Andrade Gutierrez poderá ser a próxima empresa brasileira a protagonizar atritos com o Equador.

Procurada, a empresa diz não ter conhecimento desta informação e, por isso, não vai comentar as acusações feitas pelo historiador.

Além de ter assinado "um contrato ilegal", Olmos comentou que a Odebrecht incorporou dez adendos ao contrato, o que teria duplicado o custo das obras de construção da hidrelétrica San Francisco. Este ano, a represa apresentou problemas técnicos, que culminaram em danos energéticos para o Equador. Comparando o empréstimo do BNDES ao de outros países, Olmos disse que o Japão, por exemplo, ofereceu créditos ao Equador sem condicionar o financiamento à contratação de qualquer empresa.

Coutinho minimiza atrito com países vizinhos

O BNDES também não quis comentar as acusações de Olmos, que integrou a delegação do Equador que esteve, recentemente, na Cúpula da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), em Caracas, na Venezuela. Olmos lembrou que, ao ser apresentado por Correa ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o venezuelano teria manifestado entusiasmado com a idéia de seguir os passos do colega Correa e auditar dívida pública de seu país.

- O problema é que nossos países nunca se defendem, sempre renegociam as dívidas com medo de perder investimentos - admitiu Olmos, ao defender à atuação da brasileira Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, funcionária da Receita Federal, que integra, atualmente, a comissão de auditores criada por Correa.

Dizendo-se indignado com a situação, Olmos antecipou que, além do BNDES, o Equador está auditando empréstimos bilaterais assinados com a Espanha, o Clube de Paris e outros organismos internacionais. O governo Correa está sendo assessorado pelo escritório de advocacia Foley Hoag, um dos mais importantes dos Estados Unidos.

Olmos esclareceu que Maria Lúcia não teria se envolvido na auditoria da Odebrecht, nem em nenhum dos outros contratos com o Brasil. A Receita Federal confirmou esta informação, esclarecendo que a funcionária foi cedida ao governo equatoriano para auxiliar na comissão de revisão da dívida externa do país e não teria atuado na subcomissão que tratou da dívida bilateral do Equador com outros países.

Quem esteve à frente da auditoria que analisou o contrato com o BNDES teria sido a equatoriana Karina Saenz.

O presidente do BNDES preferiu adotar um tom diplomático nos seus comentários, ao comentar que não acredita num calote por parte dos países da América do Sul, liderados pelo Equador. Ele também minimizou, ontem, a ameaça de não pagamento generalizado pelos vizinhos Paraguai, Venezuela e Bolívia. O montante de dinheiro emprestado nas operações de exportação de bens e serviço nos últimos 12 anos é de US$3 bilhões e o saldo devedor hoje é de US$2,5 bilhões.

- Não acredito que seja de interesse de outros países repetir o processo de arbitragem desencadeado pelo Equador, que é justo - disse ele, comentando que o assunto é um "problema de estado, que já está sendo tratado pelo Ministério das Relações Exteriores."

A Camargo Corrêa já começou a negociar com o Equador para assumir a construção da hidrelétrica de Toachi-Pilaton, no Norte do país. As obras estavam sendo tocadas pela Odebrecht, até que a empresa foi expulsa do país em outubro devido a problemas técnicos ocorridos com a represa San Francisco.

Brasil libera tarifa de 3 mil produtos do Equador

Pedindo para não ser identificado, um executivo da Camargo Corrêa esclareceu que Toachi-Pilaton era uma das quatro obras que vinham sendo tocadas pela Odebrecht. As duas disputaram a licitação internacional da usina.

Em meio à crise com o Equador, Brasil e Argentina decidiram liberar tarifas alfandegárias de 8.332 produtos equatorianos, entre eles peixes, frutas e automóveis, informou ontem a chancelaria equatoriana. Em comunicado, o governo equatoriano afirmou que a isenção tarifária foi acertada após visita de Correa ao Brasil em abril de 2008. No caso brasileiro, são 3.722 itens.

(*) Correspondente, com agências internacionais