Título: Dantas tem apego pelo dinheiro e personalidade desajustada, diz juiz
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 03/12/2008, O País, p. 4

De Sanctis rebate acusação de parcialidade e afirma ter agido "em nome do povo".

SÃO PAULO. "Torna-te aquilo que és". O juiz Fausto De Sanctis recorreu à frase do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) para dizer que o banqueiro Daniel Dantas, a quem condenou a dez anos de prisão ontem, com direito a recurso, tem personalidade desajustada. "Sem hesitar, acredita no dinheiro não como instrumento legítimo para a circulação de bens, mas como algo determinante para suas ações ou omissões, bem como de todas as pessoas que passam pelo seu caminho. Inverte, pois, a máxima: o instrumento passa a ser ente e o ente, instrumento. Nítida a contradição entre o que faz e diz acreditar. Parafraseando Friedrich Nietzsche, tornou-se aquilo que verdadeiramente é. Revela-se, pois, de personalidade desajustada", escreveu.

O juiz relata episódios da vida do banqueiro para traçar o perfil de um homem egoísta, inescrupuloso, vaidoso, alheio aos valores morais e à verdade e extremamente ganancioso. A avaliação da personalidade de Dantas foi um dos critérios utilizados pelo juiz para definir a graduação da pena imposta ao dono do Opportunity: "Mostrou-se de uma individualidade ímpar e irracional, egocêntrico, que se desvincula facilmente dos parâmetros sociais para satisfação de seu interesse em ver terminada uma determinada operação da Polícia Federal, mediante oferecimento e pagamento de dinheiro a autoridades, tendo já sido condenado a indenizar por práticas não ortodoxas (conduta social)".

Nem a suposta habilidade administrativa e o conhecimento econômico de Dantas escaparam da pena de De Sanctis: "Suas qualidades ou habilidades mais marcantes não se lastreiam na preservação de valores da ética ou da correção, apesar de alegar em juízo pautar-se por sentimentos dos mais nobres. Sobressaiu nos autos a determinação de alguém que a qualquer custo deseja obter o que, a seu exclusivo critério, considera importante, subjugando as autoridades e as leis e não respeitando os mínimos valores da nossa sociedade".

Alvo de pressões políticas e de instâncias superiores do Judiciário, De Sanctis termina a sentença de 312 páginas com uma autodefesa. Nas últimas seis páginas do texto, o juiz tenta alterar a imagem de linha-dura e rejeita insinuações de que sua ação seja pautada por ódios pessoais ou posições ideológicas, como sugerem alguns advogados de defesa do banqueiro.

Segundo ele, os acusados tentaram enganar autoridades superiores para pressioná-lo.

"Tenta-se de forma incansável enganar altas autoridades do país para marionetar o juízo com ameaças de todo tipo apenas porque reforçou a igualdade de todos perante a lei. Insere-se sentimento equivocado de vingança ou preconceito a um juízo como forma de dissuadir e desorientar a sociedade quando, em verdade, este magistrado tenta agir de forma tranqüila e serena em nome do povo", diz o juiz.

Sem citar nomes, De Sanctis menciona outros dois casos rumorosos em que trabalhou: o que levou à prisão o também banqueiro Edmar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, e o que revelou fraudes no contrato entre o Corinthians e a MSI na aquisição de jogadores.

"Chegaram a questionar o juízo, por exemplo, se não seria melhor o caso de fechar o clube de futebol, sempre atendendo à suposta vontade popular", disse. O juiz se recusou a fechar o Corinthians e também a decretar a prisão de seus dirigentes, contrariando a opinião pública.

Segundo ele, toda sua atuação no caso de Dantas foi pautada apenas pelas provas.

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