Título: Drogas: Câmara aprova redução de danos
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 04/12/2008, O País, p. 10

Projeto, que irá para o Senado, prevê distribuição de seringas a usuários para evitar contaminação pelo HIV.

BRASÍLIA. Com a oposição dos parlamentares evangélicos, a bancada do governo ligada à saúde aprovou ontem um projeto que legaliza a distribuição de seringas, agulhas e preservativos para usuários de drogas. Essa política, chamada de redução de danos, é adotada há anos pelo Ministério da Saúde, mas não tem respaldo legal. A proposta é de autoria da deputada Cida Diogo (PT-RJ) e foi aprovada na Comissão de Seguridade Social e Família, depois de ter sido retirada de pauta em 19 reuniões anteriores e ter completado dois anos de tramitação. O texto segue agora para o Senado.

Ontem, os opositores da distribuição de seringas tentaram boicotar a votação. No fim, deputados que votaram a favor comemoraram o resultado e se abraçavam no plenário da comissão. A política de redução de danos visa a reduzir a transmissão do HIV, vírus da Aids, entre quem usa droga.

Alceni Guerra (DEM-PR), ex-ministro da Saúde, votou a favor da distribuição da seringa e disse que adotou essa política quando foi prefeito de Pato Branco (PR), na década de 90.

- Distribuímos sem precisar de portaria, decreto, o que fosse. O objetivo era reduzir a infecção de Aids entre os jovens. Essa discussão não pode ser emocional e nem observada sob o rigor da moral judaico-cristã - disse Alceni.

Em meio à votação, parlamentares ligados a igrejas e outros contra a distribuição de seringas exibiram e criticaram uma cartilha elaborada pelo governo com informações e ilustrações sobre como consumir corretamente vários tipos de drogas, como cocaína e heroína, sem causar problemas de saúde. O ministério distribuiu até um cartão para que o usuário de cocaína prepare a droga sem ter que usar cartões telefônicos ou de outros tipos que soltem tinta. A polêmica cartilha foi revelada no último sábado por Jorge Bastos Moreno, na coluna Nhenhenhém, do GLOBO.

Principal opositor da cartilha, o deputado evangélico Miguel Martini (PHS-MG) acusou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, de ser a favor da legalização das drogas e disse que a cartilha e o projeto são uma apologia ao crime.

- Essa cartilha diz que é preciso respeitar a liberdade de escolha, recomenda como usar as drogas e quais cuidados tomar. E, com esse projeto, estamos a caminho da liberação das drogas no país - disse Martini.

Ex-ministro da Saúde, o deputado Saraiva Felipe (PMDB-MG), também favorável à política de redução de danos, saiu em defesa de Temporão.

- Nunca ouvi o ministro defender legalização das drogas. E essa cartilha, me informam assessores do ministro, é destinada a profissionais de saúde - disse Saraiva.

No momento da votação, os opositores do projeto, que totalizavam dez votos, pediram verificação de quórum e esvaziaram a sala, numa manobra para impedir, mais uma vez, a votação. Foi em vão. Dos 30 deputados, 16 votaram contra o parecer do relator, Talmir Rodrigues (PV-SP), contrário à distribuição de seringas.

O deputado Índio da Costa (DEM-RJ), contra o projeto, ironizava o conteúdo e disse que, se o governo vai distribuir seringa, distribuirá a droga também. Em tom de brincadeira, ironizou:

- Que graça tem distribuir só a seringa - disse, irônico, a um assessor quando deixava o plenário.