Título: Os limites da soberania paquistanesa
Autor: Costa, Florência
Fonte: O Globo, 04/12/2008, O Mundo, p. 34

"Não achamos que as grandes nações do mundo e os demais países possam ser feitos reféns de grupos não-estatais", disse o presidente paquistanês Asif Ali Zardari. A afirmação parece lógica. Mas o que o mundo pode fazer quando esses grupos não-estatais operam do território de um Estado e são, na verdade, criação de seu próprio serviço de inteligência? Qualquer um pode ter pena da atual situação de Zardari. Ele e seu novo governo não treinaram nem deram assistência para as organizações terroristas paquistanesas que provavelmente estão envolvidas nos ataques em Bombaim da semana passada. Nem é culpa dele que a al-Qaeda, o Talibã e outros grupos perigosos atuem em áreas tribais do oeste do país, de onde lançam ataques contra forças americanas e européias que estão no Afeganistão. O surgimento desses problemas nós podemos debitar a membros das Forças Armadas paquistanesas, ao serviço de inteligência e à ditadura de Pervez Musharraf. Reverter décadas de políticas de apoio a esses grupos pode ser impossível para qualquer líder paquistanês, especialmente quando as únicas forças capazes de combatê-los são justamente as que os criaram e dão sustentação. Portanto, se o mundo não pode ser feito refém de grupos não-estatais do Paquistão, o que pode ser feito? O governo Bush está correto em pressionar o Paquistão a cooperar com a Índia nas investigações dos ataques em Bombaim. Mas pode não surtir muito efeito. Os serviços de inteligência paquistanesa já enviaram especialistas à Índia para ajudar. Mas uma simples cooperação paquistanesa não vai satisfazer a Índia. Os indianos, assim como os americanos após o 11 de Setembro, querem ver ações reais contra os grupos responsáveis pelos ataques. Por isso, nem todas as advertências do mundo podem ser suficientes para impedir um ataque indiano contra esses grupos no Paquistão, mesmo se esses ataques implicarem uma nova guerra com o Paquistão. Seria essa uma ação que violaria a soberania do Paquistão? Sim, mas as nações não podem clamar por soberania quando não conseguem ter controle sobre seus territórios e permitem a ação deliberada de grupos terroristas além de suas fronteiras. Poderia o Conselho de Segurança da ONU autorizar alguma ação? A China tem se comportado como protetora do Paquistão no conselho, e a Rússia talvez tenha suas próprias razões para se opor a uma resolução. De qualquer maneira, seria útil para os EUA, Europa e outras nações começarem a estabelecer o princípio de que o Paquistão e outros países que abrigam terroristas não devem ter sua soberania como um fato consumado. ROBERT KAGAN é membro do Carnegie Endowment for International Peace e escreveu este artigo para o Washington Post