Título: Na crise, uma conta de R$ 29 bi
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 06/12/2008, O País, p. 3

Governo e Congresso criam cargos e elevam salários, inflando gastos públicos.

Apesar do agravamento da crise econômica internacional, deputados e senadores, da base governista e da oposição, aprovaram medidas que terão impacto bilionário nos gastos públicos, especialmente em 2009, ano cercado de incertezas. Só as quatro medidas provisórias baixadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tratam de reajustes salariais (duas delas já convertidas em lei) e foram aprovadas nos últimos dias pelo Congresso terão um custo de R$29 bilhões no próximo ano.

Além das MPs, há propostas que também podem aumentar os gastos públicos. Uma delas prevê até mesmo a possibilidade de parlamentares apresentarem projetos sobre assuntos que são, hoje, de competência exclusiva do presidente da República, como reajustes salariais e criação de novos cargos, sem previsão orçamentária.

Há irritação no Palácio do Planalto com a aprovação de alterações em medidas provisórias - que já previam gastos - e que poderão ter vetada parte das propostas acrescentadas. Foi o caso, por exemplo, das MPs 440 e 441, que tratam de reajustes salariais de servidores públicos federais e de criação ou alterações de planos de carreira de diferentes categorias do funcionalismo.

Estabilidade para marido de grávida

Além das medidas que inflam os gastos públicos, o setor privado também mostra preocupação com propostas que aumentam os encargos trabalhistas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, alertou para os custos do projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), em caráter terminativo, que impede a demissão do trabalhador cuja mulher ou companheira esteja grávida. Ele não poderá ser demitido ao longo de 12 meses.

Esta semana, a Câmara aprovou de forma definitiva a MP 440, que beneficia pelo menos 91 mil servidores e custará cerca de R$20 bilhões até 2011. O líder do governo na Casa, Henrique Fontana (PT-RS), avisou que o presidente deverá vetá-la, apesar do lobby dos servidores beneficiados. A MP 440 tem impacto este ano de R$1,9 bilhão. Já a MP 441, que ainda tem que passar pela Câmara mais uma vez, porque foi alterada pelos senadores, e que beneficia 380,4 mil servidores, custará R$1,5 bilhão só este ano.

As medidas provisórias 440 e 441 somarão R$10,4 bilhões extras em 2009, ano em que o aperto na economia será bem maior. O impacto do pacote das quatro medidas provisórias que beneficiam os servidores públicos - inclusive a elite do funcionalismo -, de R$29 bilhões somente em 2009, é calculado pelo próprio Ministério do Planejamento e consta do relatório preliminar do senador Delcídio Amaral (PT-MS) sobre o Orçamento da União para o próximo ano.

- Vamos ter que cuidar mais atentamente para não termos surpresas no plenário. No caso da MP 440, não houve articulação prévia - disse o vice-líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR).

- Nem o Congresso nem o governo viram que haverá crise econômica. Agora, o que estamos vendo é que o governo propõe gastos e o Congresso aumenta esses gastos. É uma farra fiscal de gastança. As empresas dispensando gente, e o Estado, por iniciativa do Executivo e acréscimo do Legislativo, aumentando o quadro de forma alarmante - acrescentou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

Contas confusas até no Planalto

Nem mesmo os técnicos do Planalto que acompanham as MPs sobre funcionalismo sabem dizer exatamente o impacto financeiro das alterações feitas na MP 440. Mas alertam que elas são absurdas e criam um verdadeiro "trem da alegria". As mudanças aprovadas na Câmara beneficiam pelo menos 1.700 auditores da Previdência Social, que passarão a integrar oficialmente o quadro da Receita Federal do Brasil como Analistas Tributários (cujo salário é mais alto), e ainda cerca de 454 técnicos intermediários do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), criando duas carreiras dentro da estruturação já feita pelo governo.

O impacto previsto pelo Ministério do Planejamento, em sua edição, era de R$1, 9 bilhão em 2008; R$4,7 bilhões em 2009; R$6,6 bilhões em 2010; e de R$7,2 bilhões em 2011. Curiosamente, as emendas tinham sido aprovadas pela oposição no Senado para fazer com que a MP voltasse à Câmara, trancando a pauta e impedindo a votação da reforma tributária. Só a MP 431, a primeira da série, beneficiou 1,4 milhão de servidores, entre civis e militares. Os gastos com esses reajustes está fixado em R$29 bilhões em 2009 e cerca de R$11 bilhões este ano.

O Planalto ainda está preocupado com a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de proposta do deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ). A proposta altera dois artigos da Constituição (números 61 e 63) para permitir que, além do presidente da República, um décimo dos deputados ou dos senadores tenha a iniciativa de propor esse tipo de lei. Mas a proposta ainda vai passar por uma comissão especial antes de ir à votação no plenário da Casa.