Título: Filantropia: ministério não julgava processos
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 06/12/2008, O País, p. 14

Segundo MPF, Previdência engavetou 479 deles; com a edição da MP, governo anistiou entidades suspeitas.

BRASÍLIA. Uma inspeção feita pela Controladoria Geral da União (CGU) e um levantamento do Ministério Público Federal (MPF) mostram que o Ministério da Previdência foi o principal responsável pelo acúmulo de processos e recursos de entidades filantrópicas não julgados pelo governo. Segundo o MPF, pelo menos 479 processos já estavam prontos para julgamento final na Previdência, mas ficaram na gaveta. A falta de tempo para julgar esses casos foi uma das justificativas apresentadas pelo Executivo para editar a medida provisória que anistiou as filantrópicas.

Segundo o levantamento da CGU, a Previdência mantinha sem julgamento 742 processos de filantrópicas. Alguns casos estavam na gaveta desde 2002, mas a maioria é do período de 2006 e 2007, gestões dos ex-ministros Nelson Machado e Luiz Marinho.

Nas pilhas de documentos estão contestações que variam de filantrópicas suspeitas de fraude e corrupção na investigação da Operação Fariseu da PF até parceiras estratégicas do governo, como os hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, ambos prestigiados em evento pelo presidente Lula uma semana após a assinatura da MP.

Para técnicos do Ministério Público, não houve vontade política para tomar as decisões, especialmente porque a maioria dos pareceres pediam a cassação dos certificados de filantropia, passo que remove a última barreira para que a Receita Federal possa cobrar dívidas milionárias de entidades que fraudaram as exigências ou descumpriram as obrigações.

Oficialmente, o governo sustenta que a medida foi necessária para limpar o passivo de anos de acúmulo e culpa a gestão anterior. E diz que não houve anistia, mesmo com a determinação para que todos os recursos contra as entidades suspeitas fossem extintos, às vésperas do prazo de cobrança de dívidas. A MP segue em vigor até que um projeto alternativo seja votado, e não há prazo.

- Ninguém quer mexer em processos que abalam interesses de grandes corporações na saúde e educação. No indeferimento do certificado de filantropia, o ministro vai sofrer pressões. O que assusta é que sejam acatados lobbies que não coincidem com o interesse público - disse o procurador da República Pedro Machado.

O ministro da Previdência, José Pimentel, não quis se manifestar sobre sua omissão no julgamento de processos antes da edição da MP. A assessoria de imprensa informa apenas que a demora nas análises ocorreu por causa do acúmulo prévio e da falta de advogados - mas também não forneceu resposta sobre a falta de julgamentos pouco antes da MP.

CGU: equipe jurídica da Previdência estava reduzida

A CGU não comentou pressões políticas. Concluiu que a equipe jurídica da Previdência estava reduzida à metade, com apenas 14 advogados quando o mínimo necessário eram 27. E não há técnicos em contabilidade para o devido assessoramento. Os auditores pediram apuração de responsabilidade "de quem deu causa ao acúmulo", mas a Advocacia Geral da União sustenta que tal pedido nunca foi recebido.

Providências de fato só foram tomadas após a intervenção do MPF, que já investigava a situação. E, em julho, os ministros de Previdência, Educação, Saúde e Desenvolvimento Social criaram uma força-tarefa para limpar o estoque, que aumentou para 928 processos.

O esforço rendeu pareceres finais para no mínimo 479 processos, referentes a 103 hospitais, 53 entidades de assistência social e outras 23 filantrópicas. Estavam todos aguardando despacho do ministro Pimentel, alguns há meses, quando a MP 446 jogou todo o trabalho no lixo. E deixou a Receita de mãos atadas, já que refazer recursos demoraria anos, e as dívidas começam a prescrever neste mês. Com a MP, todas essas entidades tiveram seus certificados de filantrópicas renovados ou restaurados, sem qualquer análise.

A maioria dos pareceres era pela cassação do diploma de filantrópica. Uma amostra obtida pelo MPF de 23 pareceres engavetados na Previdência indica que os recursos eram protelatórios: todos eram a favor da anulação dos respectivos certificados. E antes da força-tarefa atuar, 11 processos chegaram a ser julgados em 2008. Outra vez, todos anularam os certificados.

A MP 446 foi devolvida ao Planalto pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), que a classificou de inconstitucional e imoral. Um recurso do líder do governo no Senado, Romero Jucá, questiona o ato e, até ser decidido, a MP segue em vigor. Mas, o governo recuou e apresentou um projeto de lei no qual dá prazo de um ano para os ministérios analisarem os processos pendentes. Mas não há previsão para a aprovação final e está sujeito a modificações.

Para Pedro Machado, é preciso definir o público-alvo da filantropia, já que bolsas de estudo e atendimentos hospitalares que não atendem a população carente são aceitos hoje no cálculo de requisitos mínimos.