Título: Os EUA perderam poder de sedução com Bush
Autor:
Fonte: O Globo, 06/12/2008, O Mundo, p. 47

Para jornalista, legado do presidente é influência menor do país.

Para o jornalista e cientista político indiano Fareed Zakaria, radicado nos EUA e que acaba de lançar no Brasil o livro ¿O mundo pós-americano¿ (Companhia das Letras), um dos principais legados do governo Bush é o de contribuir para uma menor influência dos Estados Unidos em um mundo marcado cada vez mais pelo fortalecimento de países como China, Índia e Brasil. Segundo ele, Washington ainda concentrará grande poder mas terá que aprender a conviver com países cada vez mais capazes de tomar decisões autônomas.

Leonardo Valente

O que seria um mundo pós-americano? Os Estados Unidos deixarão de ser a grande potência influente no cenário internacional?

FAREED ZAKARIA: O mundo pós-americano é um mundo marcado pela presença de novos atores no cenário internacional, numa distribuição maior de poder. Alguns países, conhecidos como emergentes, ganharam e ganharão ainda mais poder e capacidade de atuação autônoma e também de fazer alianças, sem que os Estados Unidos tenham controle sobre suas ações. Isso não significa que os EUA perderão de vez seu poder. Washington provavelmente continuará por um bom tempo a ser o principal centro de poder do mundo, mas a diferença é que esse poder não será como antes, será compartilhado com essas nações, de diferentes partes do globo. Os americanos precisarão saber interagir nesse novo contexto.

Que países emergentes o senhor aponta como novos detentores de poder no cenário internacional?

ZAKARIA: Eu me refiro principalmente à China e à Índia, mas também ao Brasil, que terá uma influência crescente nos próximos anos, e em certa parte à Rússia e à África do Sul. Esses países terão grande capacidade de projeção global e de tomada de decisões autônomas, inclusive na formação de alianças estratégicas. São economias fortes e terão ainda grande poder em suas áreas de influência direta, em suas regiões.

Depois da bipolaridade entre EUA e União Soviética até a queda do Muro de Berlim e da unipolaridade marcada pela hegemonia americana desde então, estaríamos entrando numa nova ordem mundial?

ZAKARIA: Exatamente. O mundo vive atualmente o início do terceiro grande deslocamento de poder da História moderna. O primeiro foi a ascensão do Ocidente, o que ocorreu por volta do século XV, e que possibilitou posteriormente o avanço do capitalismo, da ciência, das revoluções sociais e da democracia. O segundo ocorreu no fim do século XIX, com a emergência dos Estados Unidos, e que nos últimos vinte anos exerceu hegemonia de forma incontestável. Agora, devido principalmente ao fortalecimento econômico de várias regiões do mundo, o que aconteceu em parte por causa da chamada pax americana (paz americana), alguns países passaram a conquistar espaços importantes nas decisões internacionais.

Em sua opinião os dois mandatos de George W. Bush contribuíram para o enfraquecimento da influência americana no mundo ou esse processo era inevitável?

ZAKARIA: Muitos nos Estados Unidos fazem esta pergunta. Acredito que um dos principais legados do governo Bush para os Estados Unidos é a contribuição para que o país perdesse prestígio internacional. As guerras no Iraque e no Afeganistão, a prisão de Guantánamo entre muitos outros acontecimentos diminuíram o poder de sedução que os americanos exerciam no resto do mundo. Os EUA perderam seu poder se sedução com Bush. Isso, sem dúvida, contribuiu para a perda de influência como um todo. Mas, por outro lado, o fortalecimento de outros países no cenário internacional não é responsabilidade do atual presidente. Ele não interferiu nesse processo de forma decisiva.

Em sua opinião, o presidente eleito Barack Obama pode reverter a perda de influência americana?

ZAKARIA: Obama pode, e certamente vai, melhorar a imagem dos Estados Unidos. Deve conseguir atrair novamente antigos aliados e fazer com que o país exerça uma liderança mais sedutora. Mas não podemos falar mais em hegemonia, esse período não volta mais. O contexto é outro, mais complexo. O mundo agora é pós-americano.