Título: Há um silêncio para ocultar a autoria do crime
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 07/12/2008, O País, p. 10

Pesquisadora alerta para acobertamento de casos em família

Desde que o movimento pelos direitos humanos ganhou as ruas no Brasil, associado às lutas das décadas de 70 e 80 pela redemocratização do país, os protagonistas dessas ações priorizaram a cobrança de soluções para problemas que envolviam o estado. A campanha, hoje, pela melhoria das condições do Presídio Urso Branco, em Rondônia, razão pela qual a Procuradoria Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal intervenção no estado, é um desdobramento dessa história de lutas.

Neste campo, ainda há muito por fazer, mas as pesquisadoras Lilia Pougy, coordenadora de Pós-Graduação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, e Leila Linhares, da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa e Informação (Cepia), também se incomodam com o silêncio sobre a violência doméstica, como se o espaço familiar fosse sagrado, portanto indevassável à aplicação das leis.

- Há um silêncio para ocultar a autoria do crime. Toda vez que se faz campanha pela paz, é sempre em relação ao outro, aquele que tentamos evitar pondo grade na porta. O espaço familiar é mito preservado. Mas, de alguma maneira, a parcela da sociedade que comete violações é muito grande. Isso é pouco falado. Isso vem muito desta tradição da sociedade escravocrata, da sociedade da casa grande, autoritária e patriarcal, que se coloca como um espaço onde há uma lei privada. O aparato legal existe, mas não necessariamente chega às famílias - critica Leila.

Profissionais de saúde e educação podem ajudar

O desafio de enfrentar a questão, segundo elas, não precisa necessariamente ser "jogado no colo" do governo. Apesar da inexistência de políticas públicas para combater a violência familiar, Lilia e Leila sustentam que muita coisa pode ser feita. Uma delas é o treinamento de profissionais de saúde e educação, para capacitá-los a identificar e a denunciar quando uma criança agredida dá entrada em hospital público, ou aparece machucado na escola. Em muitos casos, os responsáveis (e também agressores) tentam disfarçar a agressão simulando um tombo ou acidente corriqueiro.