Título: Fim da bonança do emprego
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 07/12/2008, Economia, p. 29

Crise aumenta demissões, e desemprego no Brasil pode atingir média de 9% em 2009.

As dispensas e as férias coletivas anunciadas nas últimas semanas não deixam dúvidas de que a crise global já atingiu fortemente a economia real brasileira, tendo como vítima maior o chão de fábrica. O movimento vai continuar, encerrando a fase de quatro anos de bonança do mercado de trabalho. As projeções apontam elevação forte da taxa de desemprego, que encerrou outubro a 7,5% e deverá registrar percentual médio de até 9% no próximo ano. Isso significa que, em 2009, mais 365 mil brasileiros vão procurar uma vaga, elevando a 2,160 milhões o contingente de desempregados nas seis maiores regiões metropolitanas do país.

Diante da deterioração de vários indicadores macroeconômicos - como a queda na produção industrial -, já se estima que o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) poderá apresentar retração no último trimestre do ano, na comparação com o período anterior. Isso antecipa uma desaceleração severa que era esperada apenas para o período entre janeiro e março.

A corretora Concórdia prevê taxa média de desemprego de 9% em 2009. Amanhã, a consultoria Tendências divulgará que subiu de 8,4% para 8,8% sua previsão. A equipe do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec) do Bradesco aguarda apenas a divulgação do resultado do PIB do terceiro trimestre, na terça-feira, para elevar o percentual, projetado hoje em 8%.

- O país conseguiu reduzir a taxa de desemprego neste ano para 7,5% em razão do crescimento da economia. Com a crise, é natural que o percentual volte a subir - afirmou Elson Teles, analista da Concórdia.

Essa também é a opinião de Claudia Oshiro, especialista da Tendências. Na avaliação do professor do Instituto de Economia da UFRJ João Sabóia, 2008 já está fechado, mas no próximo ano a taxa de desemprego deverá subir progressivamente. A mesma avaliação é feita pelo diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, segundo o qual o primeiro trimestre do próximo ano será a prova de fogo:

- Para não aumentar o desemprego, o país terá de crescer mais de 3% no ano.

Já em outubro, cortes generalizados no país

O movimento de deterioração do mercado de trabalho começou mais cedo do que se esperava. Já em outubro, com um mês de crise aguda, as demissões foram generalizadas. Segundo o Bradesco, elas ocorreram em 11 dos 25 subsetores pesquisados nacionalmente pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, deixando na rua 20.828 trabalhadores em outubro. O número equivale a 33,9% do saldo geral positivo de 61.400 contratações no mês.

O segmento de calçados foi o pior, com 7.979 dispensas, mas a situação vem se espalhando. Tanto que, entre os 14 segmentos onde ainda houve admissão líquida, o ritmo de contratações chegou a cair 96,7% (caso da área de minerais não-metálicos). Segundo economistas do Bradesco, foi a maior desaceleração no ritmo de geração de vagas desde meados de 2004, considerando dados dessazonalizados (descontadas variações típicas de períodos).

A crise é o pano de fundo de todas as demissões, mas por efeitos diferentes. No caso de calçados e têxtil, indústrias que, juntas, cortaram mais de 9.200 vagas em outubro, pesam os efeitos do câmbio - apesar da alta do dólar agora, esses segmentos haviam perdido mercado anteriormente com o recuo da moeda americana.

No ramo de minerais não-metálicos, o motivo é o freio na construção civil; na indústria metalúrgica, é o corte de produção no setor automotivo e a redução da demanda dos mercados externos. No caso de bancos, o entrave são os problemas de crédito enfrentado pelas instituições pequenas; e no setor extrativo-mineral, é a queda na cotação das commodities e a recessão mundial.

Os grandes números começam a tomar formas particulares, especialmente na semana que passou. Maior mineradora do mundo, a Vale demitiu 1.300 no mundo, sendo 260 em Minas Gerais. A Votorantim Metais e o Banco Safra cortaram 200 funcionários cada, e o Sindipeças, que reúne as fabricantes de autopeças, previu 7.500 desligamentos até o fim do ano.

"O mercado de trabalho dança conforme a música"

O economista Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica que o movimento começou pelos setores que dependem mais da demanda internacional, como aço, minério de ferro e bens duráveis. Mas, passado o período de festas, a onda vai se alastrar por comércio e serviços. Antes das demissões, ele diz, o ajuste se dará pela queda da formalidade e pela redução dos ganhos dos trabalhadores. Em outubro já houve sinais dessa revisão: a massa salarial da indústria recuou 0,6% frente a setembro.

- O mercado de trabalho responde com certa defasagem à deterioração dos indicadores (de produção e venda). Pode até demorar para pegar os passos, mas ele dança conforme a música, e os reflexos da crise já começaram no Brasil - afirmou Lauro Ramos.

A construção civil é outro segmento sensível. O sindicato dos trabalhadores da categoria em São Paulo (Sintracon-SP) informou que o número de homologações atingiu 3.796 desde setembro, 30% acima da média do trimestre anterior. O Sindicato de Trabalhadores da Construção, Mármore, Montagem e Imobiliário, que representa operários de Magé, Nilópolis, São João do Meriti, Guapimirim e Duque de Caxias, também está fazendo entre 50 e 60 homologações por semana, contra uma média de cinco antes do agravamento da crise, a partir de meados de setembro.

- Só o consórcio Iesa/Queiroz Galvão (responsável pela ampliação da Reduc) demitiu 400 trabalhadores nas últimas semanas - lamentou o presidente da entidade, Josimar de Souza.