Título: Risco maior
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 07/12/2008, Economia, p. 30

Aqui na coluna escrevi, em 3 de outubro: "Fomos atingidos." Isto foi na época da "marolinha", quando o governo achava que o Brasil não seria atingido. Agora é a época em que o presidente usa expressões impróprias para descrever a situação. De lá para cá, o governo andou feito barata tonta. Lá fora a crise tem se agravado. Desmoronou de vez a idéia de que os emergentes poderiam segurar o mundo.

Os BRICs estão com sérios problemas. O terrorismo na Índia é mais um fator para espantar o investimento estrangeiro. Em plena era da covardia do capital, ela mostra um lado que foi ignorado nos tempos do capital abundante: as tensões étnico-religiosas e o conflito explosivo com o Paquistão. A Índia, apontada como candidata a potência, tem 46% das mulheres analfabetas e uma taxa extravagante de crescimento populacional, que a levará a ter quase 500 milhões de habitantes a mais em 2050.

Na Rússia, a corrupção atingiu proporções endêmicas, mas o principal problema imediato é como lidar com a abrupta queda dos preços do petróleo, do gás e dos metais, que respondem por 80% das exportações do país. A disparada dos preços levou o governo russo a inflacionar as despesas. As empresas se alavancaram tendo como base seu valor em bolsa, mas a queda das ações foi de 70% este ano. Elas estão mais endividadas que seu patrimônio. Inúmeras distorções vão aparecendo no país.

A China tem uma enorme população excluída e no campo. O crescimento fazia a fila andar. Se ela crescer abaixo de 6% ao ano, a fila não anda. Da última vez que o país não cresceu, o governo massacrou estudantes na principal praça da capital. As tensões sociais, e os desastres ambientais, vão cobrar a conta nesta redução do ritmo de crescimento do país. Mesmo assim, comparada à Índia e à Rússia, a China ainda está melhor.

O Brasil também está melhor que outros, mas as despesas públicas de custeio e de pessoal subiram muito nos últimos anos, criando uma restrição fiscal ao aumento do investimento público como forma de ajudar a reativar a economia. A promessa do presidente, de não gastar um centavo de custeio, chega tarde e há aumentos salariais já garantidos aos funcionários públicos, que vão elevar em R$40 bilhões a folha salarial nos próximos anos. Folha que passou a ter 300 mil funcionários civis e militares a mais no governo Lula. O governo já estrangulou os gastos públicos. Agora, a única saída é reduzir o superávit primário, mas mesmo isso pode ser insuficiente.

Tudo que era brilhante não reluz mais. As reservas de R$200 bilhões - melhor tê-las do que não tê-las - não estão impedindo a disparada do dólar. O governo ainda repete que o fato de ter reservas altas e ser credor em dólar nos protege contra a crise externa. Falta explicar a incapacidade do Banco Central de vencer o overshooting do câmbio e o ataque especulativo que o real vem sofrendo. Há razões concretas para que o dólar tenha subido de patamar, mas isso não explica toda a alta.

O Banco do Brasil e a Nossa Caixa, de São Paulo, puseram R$8 bilhões nas financeiras das montadoras e a venda de carros continua caindo. O governo distribuiu ajudas fiscais para quem bateu primeiro na sua porta. Patético, por exemplo, o incentivo para a venda de motos. Em mais uma das decisões confusas, baixou uma MP para que a Caixa Econômica virasse sócia das construtoras. A idéia foi criticada pelas próprias construtoras e agora a Caixa desistiu.

A Petrobras pegou um empréstimo jumbo na Caixa. A ministra Dilma Rousseff disse que era um absurdo criticar a operação. Criticou-se a crítica como se ela fosse traição à pátria e, agora, o presidente Lula admitiu que a operação "tirou liquidez das pequenas empresas". Na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia se propõe a apressar a aprovação da redução da jornada sem redução de salário. Isso só ajuda os metalúrgicos do ABC e meia dúzia de categorias com forte lobby em Brasília, mas aumenta o custo das empresas numa hora de crise. Outras medidas tópicas, setoriais, para atender aos lobbies, estão sendo pensadas.

A que horas teremos governo? Quando o Ministério da Fazenda dará alguma demonstração de que tem autonomia e capacidade para pensar numa resposta coerente para a crise econômica? Redução de imposto distribuída a conta-gotas para grandes empresas ou setores não resolve crise alguma. A Vale não está demitindo porque os impostos são altos ou porque não tem crédito, mas porque a demanda dos seus produtos caiu abruptamente no mundo. Uma redução horizontal de impostos para toda a economia é mais eficiente do que a abertura de um balcão de favores de Brasília. Se o setor privado puder se apropriar de uma parte maior da renda que o governo engole, terá mais energia para atravessar um período que será difícil de qualquer maneira.

O desafio das autoridades econômicas não pode ser a luta inútil para manter a qualquer preço o ritmo de 4% a 4,5% de crescimento. Isso é o pior caminho para aumentar o déficit da conta corrente e impedir a queda da inflação. O governo precisa de uma resposta lógica e eficiente à crise. Do contrário, o país ouvirá do médico aquele diagnóstico que o presidente Lula definiu com uma falta de compostura que presidentes não deveriam ter, mas que já está se tornando habitual.