Título: Sinal amarelo para 4 milhões que vivem lá fora
Autor: Paul, Gustavo; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 07/12/2008, Economia, p. 32

Crise estimula retorno de emigrantes brasileiros e governo estuda criar centros de requalificação em EUA, Japão e Europa.

BRASÍLIA. A crise financeira bateu à porta dos cerca de quatro milhões de emigrantes brasileiros espalhados pelo mundo, alertando governo e especialistas, que consideram inevitável o retorno de parte desse contingente ao país. Só da região de Boston, nos EUA, deverão regressar cerca de 20 mil pessoas no próximo ano. O fantasma da recessão também assombra aqueles que foram tentar a sorte no Japão e na Europa, estimulando cada vez mais a idéia da volta ao Brasil. Esse processo traz o difícil desafio de reinserir essas pessoas no mercado de trabalho doméstico.

O sinal amarelo acendeu na sala do presidente do Conselho Nacional de Imigração, ligado ao Ministério do Trabalho, Paulo Sérgio de Almeida. Segundo ele, nas últimas semanas surgiram vários relatos de piora da situação de brasileiros emigrados, aos quais se somam o aumento da repressão aos ilegais. Na semana passada, foi feito um alerta para os demais oito ministérios que integram o Conselho. Nas próximas semanas será elaborado um estudo para verificar a dimensão do problema e as soluções começarão a ser desenhadas em 2009.

- Aparentemente o problema está crescendo e ganhando velocidade. Mas não imaginamos que ocorra um retorno em massa de brasileiros - diz Almeida.

A única medida pensada até agora pelo governo federal é a criação, em alguns países, de centros de reciclagem e preparação de brasileiros que desejem retornar ao país. São as Casas do Trabalhador, uma idéia que foi lançada em janeiro, ainda antes da crise. A primeira foi implementada em junho, em Foz do Iguaçu. A idéia inicial é instalar até 2010 centros em locais estratégicos, como Boston (EUA), Hamamatsu (Japão) e na Europa (Espanha ou Portugal), onde se encontra boa parte dos brasileiros emigrados.

- Queremos qualificar o trabalhador, dando informações sobre a reinserção no mercado brasileiro. Uma espécie de Sine (Sistema Nacional de Emprego) avançado. Ela poderia emitir, por exemplo, uma carteira de trabalho, para facilitar.

No caso dos dekasseguis (brasileiros de descendência japonesa que emigraram para trabalhar no Japão), 2009 deve ser o primeiro ano de "retorno líquido" de emigrados desde 1997, quando o Japão foi fortemente atacado por outra crise econômica. Hoje, há cerca de 320 mil dekasseguis morando no Japão.

- A crise agora, se não for maior, é tão ruim quanto a primeira - resume o presidente da Associação Brasileira dos Dekasseguis, Kiyoharu Miike.

Para a socióloga Elisa Massae Sasaki, que estuda a migração dos dekasseguis há mais de 15 anos, o retorno dessa população para o Brasil já pode ser detectado e vem acompanhado de problemas importantes, como a colocação de pessoal. No Brasil, eles encontram apenas trabalho com remuneração muito menor.

É o caso de Hélio Makishi, de 47 anos, que voltou a Curitiba há menos de dois meses, após passar os últimos cinco anos em Saitama, cidadezinha próxima a Tóquio. Lá, ele e a mulher tinham renda de aproximadamente US$5 mil por mês numa fábrica de autopeças. Aqui, não enxerga chances de manter o mesmo patamar.

- Estou pensando em abrir uma empresa (distribuidora) de água mineral, mas ainda preciso avaliar muito bem. Fiquei assustado com o custo de vida no Brasil: está parecido com o do Japão, mas os salários são muito menores - diz.

O coordenador do Brazilian Imigrant Center, em Boston, Fausto da Rocha, confirma que o movimento de retorno está crescendo. A comunidade local, de cerca de 230 mil brasileiros, poderá, segundo ele, cair para 210 mil no fim de 2009. Em 2008, dez mil já voltaram ao Brasil.

- Estou aqui (em Boston) há 20 anos e nunca vi algo igual. A maioria dos brasileiros não é qualificada, perde o emprego e não tem opção - diz Rocha.

Já Fernando Iglesias, vice-presidente do Núcleo de Entidades Brasil Espanha (Nebe), com sede em Madri, diz que, dos cerca de 80 brasileiros que em média vão o consulado na cidade, uma média de cinco procuram informações sobre como voltar definitivamente ao Brasil. É um movimento inédito, afirma.

- Estamos notando um movimento maior de pessoas que dizem que querem voltar ao Brasil definitivamente - afirma Iglesias, que começa a estudar formas de orientação para esse público sobre as melhores maneiras de regularizar a volta ao país.