Título: Saída na crise é empreender
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2009, Economia, p. 13

Aumento do desemprego e perda de renda ampliam número de pessoas que partem para o negócio próprio a fim de garantir o sustento da família. No país, 30 milhões de brasileiros exercem atividades formais ou informais

Após manter por oito anos uma taxa de empreendedorismo em torno de 12,72% de sua população adulta, o Brasil deve registrar uma elevação do número de pessoas que investem em um negócio próprio em função da crise econômica. O aumento do desemprego gerado pela turbulência internacional deve elevar o interesse pelo empreendedorismo. Atualmente, o Brasil aparece em terceiro lugar entre os países do G-20 e em 13º no ranking mundial, que envolve 43 países, de acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), divulgada ontem pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP). ¿Se a crise desempregar, certamente essas pessoas vão procurar no empreendedorismo maneiras de sustentar suas famílias. O Brasil deve elevar um pouco a taxa de empreendedorismo e chegar a índices de 13%, 14%¿, aposta o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto.

Em 2008, a taxa de empreendedorismo em estágio inicial (TEA) do Brasil foi de 12,02% da população com mais de 18 anos. Ou seja, 14,6 milhões de brasileiros abriram um negócio há, no máximo, 3,5 anos. Somando aos iniciais os que têm negócios estabalecidos, 14,6%, o número de pessoas que têm negócios próprios no Brasil ¿ formais ou informais ¿ chega a 30 milhões de pessoas. O dado, no entanto, não necessariamente é um indicativo de desenvolvimento do país, ressalva o professor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri. Uma prova é que a taxa média registrada no G-20, que envolve 20 países emergentes e desenvolvidos, é inferior à média mundial, que engloba 43 países ¿ 8,4% e 10,4%, respectivamente.

A Bolívia aparece como o país mais empreendor do mundo, com uma taxa de 29,8%. ¿Países pobres são altamente empreendedores, o que mostra que nem sempre é uma qualidade. Quando há oportunidade, o trabalhador prefere o emprego com carteira. No Brasil há essa tradição¿, afirma.

Renda garantida Uma prova de que o empreendedorismo nem sempre está ligado ao desenvolvimento é que um terço das pessoas que trabalham por conta própria o fazem por necessidade. A entrada da piauiense Francisca de Araújo no mundo dos negócios não foi programada. Moradora de Águas Lindas, ela resolveu abrir um negócio há cerca de 10 anos quando o marido perdeu o emprego. Desde então, a família tem uma banca de alimentos que abre aos domingos em uma feira local. Em 2008, alguns meses após ela também perder o emprego, foi a vez de surgir o segundo negócio. De segunda a sexta, ela vende sanduíches em frente ao Palácio do Buriti. Os cerca de R$ 600 que os dois negócios rendem por mês sustentam a família, constituída ainda por seis filhos. ¿Ser assalariado é melhor, se eu pudesse escolher, teria emprego com carteira assinada. Se eu e meu marido ficarmos doentes, não entra dinheiro. Continuo procurando emprego, mas está difícil.¿

Sem motivação, ela não investe. Na lanchonete, apenas o tradicional. A falta de modernizações é um ponto negativo apontado pela pesquisa. Dos empreendedores ouvidos, 84% afirmam que seus produtos não podem ser considerados novos.

-------------------------------------------------------------------------------- DF possui baixo índice

A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor não identifica dados por estados, mas um levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da FGV mostra que o DF aparece nas últimas colocações entre os mais empreendedores. A taxa de empreendedorismo brasiliense em 2007, segundo o professor Marcelo Neri, foi de 9,37% da população adulta. Em 1992 era de 8,25%. Destes, 78,9% pertenciam às classes A, B e C. O Piauí, que liderou o último ranking com 14% de sua população se dedicando ao empreendedorismo, os negócios que pertenciam a essas classes sociais representavam 33,2% do total. (MF)

-------------------------------------------------------------------------------- Ímpeto movido por necessidade

A crise deve gerar ainda uma inversão do quadro positivo conquistado pelo país no âmbito do empreendedorismo no ano passado. A relação entre o número de empreendimentos brasileiros que nasceram como uma forma de oportunidade chegou a dois para cada um criado por necessidade. É a melhor condição desde 2001, quando a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor, divulgada ontem pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade, começou a ser feita. O aumento do desemprego e a queda da renda em consequência da crise global, no entanto, devem piorar esse quadro, na opinião do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto. ¿Devemos registrar aumento da taxa por necessidade, mas vamos trabalhar para que mesmo as pessoas que abrirem negócios por necessidade consigam ter conhecimento suficiente para ter sucesso¿, afirma.

Dos 12% de empreendedores brasileiros, 8% foram motivados por oportunidade e 4% por necessidade. A relação que atualmente é de dois para um, ficou entre 1,1 e 1,3 de 2003 a 2007. Os dados brasileiros, no entanto, ainda estão bem aquém da situação registrada em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, para cada empresa criada por necessidade, há 6,8 por oportunidade. Na França, a relação é de 8,3.

Os números apontam que há uma melhora na qualidade do empreendedorismo brasileiro, na opinião do professor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas Marcelo Neri. O modelo exemplar de começar um negócio passa por análises de mercado e programação. Foi assim que o músico e publicitário Eduardo Alves Camilo deu início à sua primeira empresa. No início deste mês, em sociedade com dois amigos, os também músicos Rodrigo Carvalho e Jefferson Amorim, ele abriu uma produtora musical e um estúdio.

Por dois anos eles mantiveram uma produtora em uma incubadora do Centro Universitário de Brasília. Após a empresa amadurecer, acharam que estava na hora de se tornarem independentes e ampliar a atuação. ¿Temos um diferencial em relação ao que as empresas de Brasília oferecem. Ajudamos a divulgar o trabalho, agenciamos os músicos, além de oferecermos o serviço de estúdio para gravação. Encontramos uma brecha no mercado brasiliense e estamos muito otimistas de que vamos dar certo¿, afirma Eduardo. (MF)