Título: Pelo retrovisor, um Pibão
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 10/12/2008, Economia, p. 25

Antes de crise se agravar, país cresceu 6,8% no 3º trimestre. No ano, alta foi a maior em 12 anos.

Ainda sem sofrer os efeitos da crise financeira global, que se agravou a partir de 15 de setembro, quando o banco americano Lehman Brothers quebrou, a economia brasileira no terceiro trimestre colecionou recordes. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) foi de 1,8% frente ao período de abril a junho, na maior taxa desde o segundo trimestre de 2005, e de 6,8% contra julho a setembro de 2007, a maior desde segundo trimestre de 2004. O resultado, puxado pelo mercado interno, surpreendeu analistas, que esperavam desempenho bem menor da economia no período. O PIB brasileiro somou R$747,3 bilhões de janeiro a setembro, conforme divulgou ontem o IBGE.

No ano, o Brasil avançou 6,4% e, nos últimos 12 meses, 6,3%. Ambas as taxas são maiores para toda a série histórica, iniciada em 1996. E o investimento, refletindo desempenho forte da construção civil, foi o grande impulso para a expansão da economia de julho a setembro. A taxa de investimento alcançou seu maior patamar desde 2000, chegando a 20,4% do PIB - voltados para aumentar a capacidade produtiva do país.

- No terceiro trimestre, o grande destaque foi a construção civil, que também teve o maior crescimento da série, de 11,7%. Foi puxado pelo crédito, pelas obras públicas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e eleições. Isso influenciou diretamente o investimento, que aumentou 19,7%, também o maior da série. A importação de máquinas e equipamentos foi outro impulso, com o aumento de 40% na importação desses itens - explicou Rebeca Palis, gerente de Contas Trimestrais do IBGE.

O consumo das famílias, que responde por 60% do PIB, manteve-se em alta. A explicação está no mercado de trabalho. A alta de 10,6% na massa salarial real foi uma das explicações para esse setor da economia apresentar a 20ª taxa positiva. O crescimento de 7,3% se igualou ao primeiro trimestre de 1997, o maior da série histórica do IBGE, iniciada em 1996

- Foi impressionante esse aumento da massa salarial, a maior influência no consumo das famílias. Houve aceleração de segundo para o terceiro trimestre. No início do ano, a alta fora de 8,1%. O crédito também ajudou, com elevação perto de 30% - explicou Rebeca.

Impostos crescem 10,1%, acima do PIB

O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fez contas preliminares e constatou que a demanda doméstica (consumo das famílias, do governo e investimento) subiu cerca de 9% no período. O que indicou que as importações foram responsáveis para suprir a demanda interna, já que o PIB cresceu 6,8% no trimestre:

- A demanda interna estava crescendo a um ritmo chinês, que era difícil de sustentar.

Ele chamou a atenção para o crescimento do comércio, de 9,8%, e dos serviços de informação, de 10%.

Mas tudo isso é passado. A crise financeira mudou radicalmente o cenário em outubro e os economistas estão prevendo desaceleração forte no quarto trimestre.

- No fim do ano, a economia deve ficar estagnada ou até cair, olhando para a produção industrial de outubro, que caiu 1,7%, e para indústria automobilística - disse Levy.

Ele acredita que a economia terá "um baque secundário" no início do ano, quando as empresas redimensionarem a produção à expectativa da demanda mais fraca:

- Poderemos ter algum aumento nas demissões. Mas o Brasil tem condições de sair na frente. O país saiu de protagonista da crise, como foi em outras ocasiões, para ator secundário. Sofrerá, mas tem condições de se reequilibrar.

Com revisão, avanço em 2007 atinge 5,7%

Armando Castelar, economista da Gávea Investimentos, chamou a atenção para o crescimento dos impostos, de 10,1%, um dos maiores no período. Segundo Rebeca, não houve mudança nas alíquotas. A alta de 22,8% nas importações influenciou no resultado dos impostos.

- Impressionou a alta dos impostos. É algo que precisa ser trabalhado - diz Castelar.

Para Antonio Licha, coordenador do Grupo de Conjuntura da UFRJ, os números são passado. O panorama mudou bastante.

- Nada disso existe mais.

Até o déficit em transações correntes (as contas com o resto do mundo), uma preocupação do grupo, perdeu importância. A desaceleração forte da economia, que inibirá as importações, vai equilibrar essas contas:

- A crise está poupando o trabalho do Copom (Comitê de Política Monetária, que subira os juros para desaquecer a economia).

Licha prevê expansão do PIB de 5,5% em 2008 e estagnação no fim do ano frente a julho a setembro.

- Esse crescimento robusto, sem dúvida, não vai afetar o comportamento do consumidor, dos empresários e do sistema financeiro.

O IBGE divulgou também revisões nos números do PIB de 2007. A elevação de 5,4% pulou para 5,7%. De acordo com Rebeca Palis, do IBGE, a mudança ocorreu nos serviços que passaram de 3,5% para 4,1%.

- Incluímos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que mostrou ocupação e salário maiores na administração pública. É o principal motivo da revisão.