Título: MP: TJ capixaba é um balcão de negócios
Autor: Dalvi, Bruno
Fonte: O Globo, 11/12/2008, O País, p. 10
Inquérito sobre corrupção no tribunal afirma que havia ganância sem limites de familiares do presidente da corte.
Bruno Dalvi
VITÓRIA. "Um balcão de negócios". É assim que o Ministério Público Federal (MPF) se refere ao Judiciário capixaba no inquérito que culminou na prisão do presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Frederico Guilherme Pimentel, e mais seis pessoas ligadas à cúpula da Justiça estadual. O grupo é acusado de participar de um esquema de venda e manipulação de sentença em troca de favores e vantagens pessoais. O inquérito número 589-DF (2008/0084533-0) é relatado pela ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e foi obtido pelo GLOBO. Todas as investigações foram feitas pela Polícia Federal e pelo MPF.
"...o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo transformou-se, pelo menos na gestão de seu atual presidente, desembargador Frederico Guilherme Pimentel, num balcão de negócios em que os jurisdicionados podem garantir o êxito de suas demandas se estiverem dispostos a pagar propina ou, quando menos, trocar favores lícitos ou ilícitos com os alvos que têm o papel de intermediários na organização criminosa", relata o inquérito.
Investigação sugere que esquema é mais antigo
As investigações sugerem que os crimes são anteriores à atual gestão: "É compreensível, diante dos tentáculos da organização criminosa em investigação e da elevada probabilidade, de que o tráfico de decisões judiciais constitua prática que permeie também as administrações anteriores do TJ-ES, que nenhuma diretoria, muito menos a atual, tenha se interessado em pôr termo à distribuição manual de processos - e não por falta de tecnologia, haja vista o excelente sítio eletrônico mantido pelo mesmo tribunal."
As investigações começaram em 2007 e apontam que o TJ foi usado para negócios em família e entre amigos. Há parentesco entre os presos na Operação Naufrágio, da Polícia Federal de Brasília. "A ganância dos familiares e agregados do presidente do tribunal para se locupletarem da coisa pública não conhece limites. Não se contentam com os favores ilícitos até então concedidos", diz o inquérito.
Além do presidente do TJ e do filho dele, o juiz Frederico Luiz Schaider Pimentel, foram presos os desembargadores Elpídio José Duque e Josenider Varejão Tavares; a diretora de Distribuição do Tribunal, Bárbara Pignaton Sarcinelli, cunhada do filho do presidente do TJES; o advogado Paulo José Duque, filho do desembargador Elpídio Duque; e o advogado Pedro Celso Pereira. Os acusados foram transferidos para Brasília.
Num dos trechos de conversas telefônicas gravadas com autorização do STJ, o filho do presidente do TJ fala com a cunhada sobre a criação de um cartório na Grande Vitória. Eles se referem a um "bolo" a ser repartido. Segundo o inquérito, é dinheiro proveniente do Cartório do 1º Ofício da cidade de Cariacica, criado por uma resolução do presidente do TJ. O MPF afirma que criação e o loteamento de cartórios era um instrumento que a família usava para a repartição indevida de lucros.
Em outra conversa com um colega, Pedro Celso Pereira relata a dificuldade de obter ajuda de mais desembargadores numa ação de cobrança. Ele se refere a um Papa, um Cardeal e um Padre. Papa, segundo os investigadores, é Frederico Pimentel. Padre, o filho dele. Cardeal seria outro desembargador.
Pagamento de R$20 mil por liminar a prefeito
Na mesma ação de cobrança, Pereira conversa com um primo de Varejão, sobre a oferta que fez ao próprio desembargador para buscar votos dos membros da Terceira Câmara Civil do TJ. "Assevera que autorizou Josenider a negociar o pagamento de R$500 mil a dois outros desembargadores, desde que lhe fosse deferido 50% do valor pleiteado na causa." Pereira fala em Alibabá e Careca, que seriam desembargadores fora do esquema.
Em outra gravação, Varejão fala, segundo o inquérito, que recebeu R$20 mil como pagamento de liminar de reintegração de um prefeito. Os diálogos, nos autos, sugerem que "o dinheiro da propina sairia dos cofres públicos do município". Segundo a investigação, o prefeito é de Pedro Canário, a 270 quilômetros de Vitória, Francisco José Prates de Matos (PMDB),.
- Não tenho nada a declarar. Nem conheço esse desembargador Josenider - disse o prefeito, afastado do cargo em maio de 2007,. Em outubro passado, voltou ao posto por liminar expedida por Varejão.