Título: Brasil: recessão à vista?
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 13/12/2008, Opinião, p. 7

Deixo os temas internacionais de lado e volto a falar um pouco do Brasil. O governo parece reconhecer que a economia brasileira corre o risco de mergulhar em uma recessão ou, pelo menos, experimentar uma desaceleração acentuada em 2009. As estatísticas disponíveis, embora incompletas e preliminares, sugerem claramente que a queda do ritmo de crescimento econômico teve início em outubro e continuou nos meses seguintes. O primeiro trimestre do ano que vem deve ser bastante difícil.

Para fazer face ao risco de recessão, o governo anunciou anteontem a diminuição do Imposto de Renda da pessoa física, do IPI sobre automóveis e do IOF sobre o crédito geral ao consumidor. Anunciou também a intenção de aplicar uma parte das reservas internacionais no financiamento de empresas brasileiras atingidas pela abrupta retração da oferta de crédito internacional. E prometeu anunciar novas medidas de estímulo ao nível de atividade antes do final do ano.

Uma parte do governo, entretanto, não parece compartilhar a preocupação com o nível de atividade. Refiro-me, é claro, à direção do Banco Central.

Na quarta-feira passada, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) decidiu manter inalterada a taxa básica de juro em 13,75%. Com essa decisão, os juros básicos ficaram em torno de 8% em termos reais (descontando da taxa nominal a inflação projetada para os próximos 12 meses).

Em termos internacionais, a taxa de juro brasileira é cada vez mais uma anomalia, pois a tendência predominante é de diminuição dos juros. A Uptrend Consultoria Econômica faz um levantamento periódico dos juros básicos reais nos 40 principais mercados desenvolvidos e emergentes. Atualmente, a média das taxas praticadas é negativa em 0,3% em termos reais. Em 23 dos 40 mercados, os juros reais são negativos, isto é, as taxas nominais são inferiores à inflação esperada para os próximos 12 meses.

A única concessão feita pelo Copom foi divulgar que a maioria dos seus membros discutiu a possibilidade de reduzir a taxa básica de juro. Decidiu-se, porém, por unanimidade, manter inalterada a taxa Selic. O Copom não quis sequer indicar um viés de baixa para o juro básico.

Não há motivos para tanta inflexibilidade. O argumento de que haveria um risco importante de aumento da inflação não parece inteiramente convincente. É verdade que a depreciação cambial tem algum impacto inflacionário. Mas esse impacto deve ser mais do que neutralizado pela queda acentuada dos preços das commodities e pelo próprio desaquecimento da economia brasileira.

Os indicadores referentes a expectativas inflacionárias sugerem que a inflação está basicamente sob controle. Segundo o levantamento realizado periodicamente pelo Banco Central, a expectativa mediana de inflação do mercado para o IPCA é 6,2% em 2008 e 5,2% em 2009.

O Banco Central calcula também três medidas de tendência da inflação - os chamados núcleos inflacionários. O núcleo por exclusão do IPCA (sem preços monitorados e alimentos no domicílio) alcançou 6,4% nos 12 meses até outubro, ficando ligeiramente abaixo do teto da meta de inflação. O núcleo calculado pelo critério de médias aparadas (que exclui as 20% maiores e as 20% menores variações) apresentou aumento de 5,1% no mesmo período. O núcleo por médias aparadas com suavização (isto é, com distribuição ao longo de 12 meses das variações de combustíveis, energia elétrica, transporte público, comunicação e alguns outros itens) aumentou 4,8%.

Em resumo, a redução dos juros já poderia ter começado. No balanço dos riscos, a recessão está pesando mais do que a inflação.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net