Título: Em Pernambuco, favelas chegam ao interior
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 13/12/2008, O País, p. 10

Segundo o levantamento do IBGE, os aglomerados de casas pobres estão em 109 dos 184 municípios do estado.

RECIFE. Os números do IBGE apenas confirmam o que os pernambucanos já observam no dia-a-dia: a interiorização das favelas que, de acordo com a pesquisa, já aparecem em 109 dos 184 municípios do estado. Elas podem ser observadas tanto na capital - onde, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife, somam mais de 450 - como em cidades da região canavieira, como Gameleira, que fica a 99 quilômetros de Recife. Também já pontilham os bairros de Petrolina, uma das regiões mais desenvolvidas do estado, com economia voltada para a agricultura de exportação. Ou em Jaboatão dos Guararapes, que tem a segunda maior arrecadação do estado.

A realidade da periferia, no entanto, é muito dura, como a de Almir Ramos, 43 anos, e Valéria Cristina do Nascimento, de 36. Ele é analfabeto e está desempregado há 20 anos. Ela não escreve, mas sabe ler, porém não tem como arranjar emprego formal: nunca teve um só documento. Vivem como catadores e residem na favela do Coquinho, onde as casas em alvenaria dos moradores mais antigos se alternam com as dos mais recentes, normalmente construídas com pedaços de madeira velha, papelão, zinco e telhas de brasilit coletadas em demolições.

No Coquinho moram mais de 4 mil pessoas, segundo o presidente da Associação de Moradores, Antônio Francisco da Silva. Na localidade, o GLOBO constatou até casas com parede em taipa, lembrando os mocambos que pontilhavam praias e manguezais recifenses até meados do século passado.

A casa de Almir e Valéria é o mocambo do século XXI: paredes com pedaços de madeira velha e fina, chão de terra batida e telhado de zinco. Eles não contam com saneamento nem abastecimento, mas fizeram uma ligação clandestina e conseguem puxar água de um cano próximo ao local. A ligação de luz é oficial, mas eles não conseguem pagar a conta. Foi cortada há três meses e fizeram um "gato". A casa é cercada de lixo: garrafas, papel, ferro, que colhem para vender a empresas que trabalham com reciclagem. Mas, por dentro, apesar de ter um só cômodo, é surpreendentemente organizada: tem até jarrinho com flor na mesa.

- Sou uma Maria Ninguém, não tenho nem documento, mas gosto de casa limpa - afirma ela.

Casal divide a casa com um cavalo

Perto de Maria, a moradia de Ezequiel Cristóvão Sena, 16 anos, não é tão asseada assim. Apesar da pouca idade, ele já é casado e divide a casa com um cavalo que fica a apenas três palmos da área onde ele faz refeições. Uma das paredes é de taipa. As outras têm pedaços de papelão e madeira recolhida no lixo. O adolescente vive de catar material para reciclagem e o seu patrimônio se resume ao cavalo. Dentro, há só uma cama velha e um fogão que não funciona porque não há dinheiro para o gás. O pai de Ezequiel, Severino de Sena, 43, é estofador também desempregado. O esgoto da família é despejado in natura em uma lagoa que está seca no verão.

- Para o governo a gente não existe - reclama.