Título: Crack se espalha e já assusta o Nordeste
Autor: Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 14/12/2008, O País, p. 3

Barata e altamente viciante, droga supera maconha e reina absoluta em zonas pobres e ricas de capitais como Fortaleza, Salvador e Maceió.

Com o poder de provocar, quase que instantaneamente, a euforia e a dependência, o crack se disseminou pelo Nordeste e faz cada vez mais vítimas sem distinção de classe social. Nos últimos cinco anos, o avanço da droga em Fortaleza vem alarmando a polícia e é constatada em números: no ano passado, foram apreendidos oito quilos de crack na capital cearense; este ano, já foram cerca de 60 quilos, contra 20 quilos de cocaína.

Em Salvador, os viciados perambulam até por pontos turísticos, como o Farol da Barra e o Centro Histórico. Nos últimos 11 meses, na capital baiana, a apreensão da droga triplicou, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Em Alagoas, o drama se repete: a Polícia Federal calcula que o faturamento dos traficantes com a droga, que foi de R$100 mil este ano, possa até duplicar em 2009.

A droga ¿ feita à base de pasta da cocaína e barata ¿ entrou em Fortaleza pelas comunidades mais pobres e periféricas. Mas, hoje, as chamadas bocas-de-fumo em bairros nobres denunciam que a clientela se pulverizou também entre os mais ricos.

Usuário pode se viciar já na 1ª vez

Numa das ações de combate ao narcotráfico este ano, a polícia prendeu oito pessoas de uma quadrilha e fechou uma boca-de-fumo no Meireles, bairro nobre de Fortaleza, numa região cercada de condomínios. O crack reina absoluto entre as drogas mais presentes nos pontos de venda, enquanto a maconha está em rota declinante. O fenômeno é resultado da união entre preço acessível (a pedra custa R$5) e o efeito alucinógeno do qual o usuário se torna refém, às vezes até na primeira vez em que experimenta, segundo especialistas.

O delegado César Wagner Maia Martins, da Delegacia de Narcóticos (Denarc), diz que o crack é achado em 98% das bocas-de-fumo descobertas pela polícia. Mapeamento realizado há seis meses revelou que há pelo menos 60 pontos de venda de drogas em Fortaleza, tanto na periferia como nas áreas mais nobres, como Papicu e Meireles.

O comércio do crack é mais intenso na periferia, e as principais vítimas são crianças e adolescentes que vivem em situação de risco. Um estudo da socióloga Glória Diógenes, presidente da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), órgão da prefeitura de Fortaleza, levantou informações com 328 crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual: 73,2% delas disseram já ter experimentado alguma droga. Depois do cigarro (21,9%), o crack está entre as mais citadas (19,9%). Na seqüência vêm o álcool (19,1%) e a maconha (15,2%). Apenas 87 crianças disseram nunca ter usado drogas.

Segunda causa de atendimentos

Menores sob o efeito da droga podem ser encontrados em plena Avenida Beira-Mar, principal cartão-postal da cidade. Alguns chegam a consumir a droga no fim do dia, diante de pessoas que vão ao calçadão para passear ou se exercitar. A cena chocou o coordenador do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, José Herman Normando. Ele tentou convencer alguns a procurar tratamento nas unidades públicas.

¿ Eles dizem: ¿Sou viciado, mas não quero ser tratado¿ ¿ contou Normando.

Nos dois Centros de Atendimento Psicossocial da prefeitura para dependentes, o psiquiatra Marcelo Félix confirma o aumento do número de vítimas do crack: é a segunda causa dos atendimentos, só atrás do alcoolismo.