Título: Bate-boca entre ministros
Autor: Oliveto, Paloma; D´Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2009, Brasil, p. 12

O clima sisudo do plenário foi quebrado no início da noite, quando o ministro Marco Aurélio Mello terminou, finalmente, de ler seu voto. O relator, Carlos Ayres Britto, pediu a palavra para defender seu voto favorável à demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol. Foi o começo de um bate-boca entre os dois ministros.

Ironicamente, Ayres Britto falou que admirava o voto extenso do colega. Em seguida, disse que, do ponto de vista constitucional, as alegações de Mello não procediam e que não iria comentar o que havia de ¿periférico¿ no texto do colega. Nesse momento, foi interrompido: ¿Para mim, não é periférico, é conteúdo¿, disse Mello. Ambos referiam-se às questões técnicas do laudo, da defesa nacional e da suposta criação de uma nação indígena.

¿Eu não interrompi vossa excelência e espero não ser interrompido¿, rebateu o relator. ¿Vossa excelência falou como se eu tivesse delirado aqui¿, respondeu o outro ministro. Ayres Britto mostrou, então, que sentiu deboche no voto do colega que, durante vários momentos, afirmou que não se pode pensar a questão indígena de forma lírica e romântica. O relator é conhecido pelos textos que misturam conteúdo jurídico e poesia.

Mantendo o tom de voz, ao contrário de Marco Aurélio, que elevou o seu, Ayres Britto disse que a questão da Raposa era muito importante para a humanidade e que divergências deveriam ser superadas. Houve nova interrupção. Irritado e com ironia, o relator afirmou que tinha certeza que o colega não ¿fez um voto de mais de seis horas para render loas à superficialidade¿. ¿Para mim, demarcação não é fracionada, fatiada, tipo queijo suíço, em que os índios ficam com os buracos e os fazendeiros com o queijo¿, emendou. Ayres Britto encerrou a discussão dizendo que a Constituição ¿optou pelo prestígio das etnias como formadoras do caráter nacional. Isso não é romantismo, é interpretação de direito constitucional positivo¿. (PO)