Título: Em Itabira, berço da Vale, clima de demissões e medo
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 14/12/2008, Economia, p. 39

Sindicato estima em 3 mil os dispensados e ameaça com greve. Empresa propõe suspender contrato de trabalho.

ITABIRA (MG). Os efeitos da crise financeira não chegaram ao Brasil na forma de "uma marolinha", como chegou a prever o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A cidade mineira de Itabira - berço da Vale e do poeta Carlos Drummond de Andrade - foi atingida por um verdadeiro tsunami. Ao escolher as minas de maior custo e com minério de ferro de menor qualidade, Itabira virou o alvo principal dos cortes de produção e de pessoal da mineradora, uma das maiores do mundo. As demissões, segundo o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração do Ferro e Metais Básicos (Metabase) de Itabira e Região Extrativa, chegam perto de três mil empregados, entre diretos e indiretos.

A Vale informou estar fazendo de tudo para evitar mais desemprego. Para ganhar tempo e esperar que o mundo volte a consumir minério, a empresa propôs a suspensão temporária dos contratos de trabalho. A alternativa pode durar, pela legislação trabalhista, no máximo seis meses. Só que o presidente do sindicato Metabase, Paulo Soares, já disse que não aceita a proposta e quer discutir outras alternativas. Até porque, lembra ele, a Vale teria dito que estava preparada para enfrentar a crise global.

Sindicato pode ocupar minas e quer governo como aliado

Se o diálogo não avançar, 2009 pode começar com greve na Vale e ocupação de minas. Além de transformar Itabira numa das primeiras vítimas brasileiras da crise financeira, a nova situação acabou colocando um ponto final na relação amistosa entre os empregados e a mineradora. Em abril, a Vale completa 20 anos sem greve.

- Não paro de chorar desde que meu marido foi demitido - soluça Saliele Lima, com a pequena Anna Beatriz, de quatro meses, no colo.

Seu marido, Márcio Leite, foi um dos 260 demitidos em Itabira. Ele entrou na empresa em 1987, ano da morte de Drummond. Ao todo, foram dispensados 1.300 funcionários. Outros 5.500 foram colocados em férias coletivas, escalonadas até março de 2009. Deste, 4.400 são da cidade. Com a demissão do marido, Saliele admite que o sonho de vê-lo aposentar-se pela Vale, como ocorreu com seu pai e avô, acabou.

O anúncio das demissões levou a "cidade de ferro", como descreveu Drummond em "Confidências do itabirano", a entrar em estado de alerta. A mudança de ânimo virou o assunto nas ruas e também na Vale. Até há poucos meses, Itabira ostentava o título de o município mineiro com a maior capacidade de geração de emprego no estado, segundo o Ministério do Trabalho.

A relação entre a empresa e a cidade é umbilical. A família Lima é uma entre milhares que dependem da mineradora. É que as marcas da exploração do minério não se restringem a modificar apenas o contorno geográfico da cidade. Ter um emprego na Vale sempre foi para o itabirano sinal de prestígio e garantia de estabilidade financeira.

- Se eu soubesse que o sonho ia acabar assim, não teria levado adiante o projeto de dar uma irmã para Vinícius - comenta Saliele, admitindo preocupação com a saúde do marido, que adquiriu uma anomalia no sangue após anos manipulando materiais químicos, como graxa, óleo e solventes.

Além de criar a Frente em Defesa do Emprego e dos Municípios Mineradores, o sindicato já definiu que precisa de apoio político, dentro e fora do município, para enfrentar a situação. O prefeito de Itabira, José Izael Querino (PR), já aderiu ao movimento. O governador de Minas, Aécio Neves, que já se sentou à mesa com o setor de ferro-gusa, também fortemente atingido, não marcou ainda data para o encontro. Assim como o presidente Lula, que também já foi acionado para virar aliado.

- O governo é dono de 12% de ações especiais da Vale, as golden shares, o que dá a ele poder de veto sobre várias decisões, inclusive "alienação ou encerramento das atividades de minas" - lembra Soares, que considera obrigação do governo exigir contrapartida de empresas e bancos que estão recebendo socorro financeiro em relação à manutenção dos empregos.

Vale tem desempenho recorde antes das demissões

No relatório de produção do terceiro trimestre, a Vale anunciou um dos melhores desempenhos operacionais da sua história. O empurrão veio de fora, já que as commodities minerais pularam de US$45,6 a tonelada, no primeiro trimestre do ano, para US$80,1 a tonelada, de julho a setembro último. Tamanha valorização do preço do minério garantiu distribuição de dividendos de US$2,85 bilhões no ano, contra o montante de US$1,87 bilhão pago aos acionistas em 2007.

Mas bastou a crise explodir para o valor da Vale no mercado cair 42% e as vendas despencarem. No dia 20 de maio, quando o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, registrou a maior pontuação da sua história (73.516 pontos), a mineradora valia US$321,1 bilhões; na última terça-feira, o valor de mercado da empresa era de US$135,2 bilhões, segundo a Economática.

- Não posso acreditar que a Vale precise sair cortando pessoal para enfrentar a crise - lamenta Jorge Reis, que trabalhava como operador de mina e, ao ser demitido, reduziu drasticamente as despesas que teria com o casamento da filha mais velha, Ana Marta.

Enquanto estava empregado, Reis gastou R$10 mil no casamento da filha do meio, Patrícia, em agosto. Já Ana Marta, que vai se casar em 2009, terá apenas R$2 mil para a festa.

Como paira no ar a dúvida se as demissões vão continuar, até quem está empregado já começou a cortar despesas. É o caso de Marcos Oliveira, da mina de Conceição. Os supérfluos em casa já foram cortados. No trabalho, diz, o clima é de apreensão, e quem não foi demitido só fala no medo que tomou conta da cidade. Parafraseando o poeta em "Confidência do itabirano", a riqueza do ferro de Itabira ameaça se tornar apenas um retrato na parede. E como dói.

BNDES VAI BUSCAR US$10 bi NO EXTERIOR, na página 41

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