Título: Farra com o Fundo Partidário
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 15/12/2008, O País, p. 3

MP investiga uso irregular de R$26 milhões destinados a fundações de partidos.

O Ministério Público investiga o uso de 20% dos recursos do Fundo Partidário por fundações de cinco partidos. Dos R$135,5 milhões da dotação do Fundo Partidário em 2008, 20% (cerca de R$26 milhões) foram repassados pelos partidos às suas fundações ou institutos de formação política. O Ministério Público levantou indícios fortes de que essas fundações se transformaram em ralo de dinheiro público. O caso da Fundação Instituto Getulio Vargas (FIGV), do PTB - que briga na Justiça para não devolver R$7 milhões do fundo não aplicados no fim devido, de 2002 a 2006 -, é um exemplo.

Segundo a Promotoria de Justiça de Fundações do Distrito Federal, que faz tomada de contas especial de entidades como a FIGV, do PTB, as fundações partidárias se envolveram em irregularidades de todo tipo, como transferência de recursos para dirigentes ou partidos de origem, cabide de empregos, pagamento de salários altíssimos a dirigentes, compra de passagens aéreas, festas em hotéis de luxo e até relações suspeitas com empresas fantasmas.

Estão sob investigação do Ministério Público Federal e das curadorias estaduais as fundações Ulysses Guimarães (PMDB), Milton Campos (PP), João Mangabeira (PSB), Astrojildo Pereira (PPS) e Instituto Getulio Vargas (PTB).

Presidente da FIGV há seis meses, o ex-deputado Benito Gama (BA) tentará convencer o promotor Nelson Farhat, da Promotoria de Fundações do Distrito Federal, a não acionar judicialmente nove ex-dirigentes da entidade, no período de 2002 a 2006, para devolver os R$7 milhões. Esse dinheiro teria sido desviado para o PTB comprar passagens, fazer propaganda eleitoral de candidatos e para outras finalidades não previstas pela legislação. Benito tem reunião marcada com Farhat para março do ano que vem, mas admite que dificilmente o PTB escapará de ressarcir esses valores.

- A legislação não é clara sobre onde pode usar os recursos ou não. Não há desvio de dinheiro. Houve repasse para o partido e, se o MP disser que não podia, vamos devolver. Não é só a fundação do PTB que está passando por essa fiscalização; quase todas estão - disse Benito Gama.

- Nesse caso (do PTB), o Ministério Público já tem elementos para entrar com a ação de ressarcimento. Mas estamos tentando outros caminhos, como o entendimento para o ressarcimento espontâneo, sem que os nove dirigentes sejam alvo da ação em juízo - explicou o promotor Nelson Farhat.

O repasse do PTB para a Fundação Getulio Vargas é de R$1,4 milhão por ano. Ao inaugurar a sede da entidade, este ano, Benito pediu reforço de caixa e apelou para que os parlamentares do partido incluíssem uma emenda de R$100 mil para a FIGV no Orçamento da União.

Presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson , em seu blog, argumenta que o dinheiro que o Ministério Público quer de volta não foi para o PTB, como está no processo: "Se problemas houve, foi com a fundação do partido. Portanto, a conta não é minha. Para a área jurídica, não houve ilegalidade, uma vez que a norma não é clara quanto a despesas com passagens, pesquisas, o que abre espaço para interpretação da lei".

Na Paraíba, o promotor Alexandre Jorge Nóbrega processa a Fundação Ulysses Guimarães (FUG-PB), do PMDB. De 2004 e 2005, dos R$103 mil recebidos do fundo, mais da metade foi gasta com o salário de dois dirigentes.

- A Constituição manda que essas fundações apliquem esses recursos para formação política, doutrinação e pesquisa. Nenhum centavo foi aplicado ou gasto com esse fim específico nesses dois anos. Isso está errado. É fato grave. Como pode pagar os salários de funcionários que vão lá dar expediente mas não prestam o serviço que deveriam? - diz o promotor Alexandre Jorge, sobre a fundação do PMDB.

O presidente da seccional paraibana da FUG, professor Sales Gaudêncio, admite que a fundação errou ao extrapolar os 20% do orçamento que podem ser usados com salários. Mas diz que os servidores que estavam "gerando o fato" já foram demitidos.

- Entrei lá para solucionar o problema. O processo foi bom no sentido de que adotamos medidas saneadoras e hoje estamos realizando os cursos de formação política para os novos prefeitos - diz Sales Gaudêncio.

No último sábado, a Fundação Ulysses Guimarães promoveu uma festa em São Paulo para mais de 500 pessoas - prefeitos, vice-prefeitos, deputados, vereadores, senadores e outros convidados. O convite publicado no site da fundação dizia que o objetivo do seminário era promover "um congraçamento" com os recém-eleitos. Para a fundação, o custo do "congraçamento", no Novotel Jaraguá, que tem entre os proprietários o ex-governador Orestes Quércia, é de R$50 mil.

Mas o vice-presidente da FUG/SP, José Alberto Bassi, diz que Quércia e outros dirigentes do PMDB se cotizaram para complementar os gastos, que incluíram a entrada dos 500 participantes no hotel, com café da manhã e almoço. Além da confraternização, estava previsto ainda um debate sobre a crise global e seu impacto nas gestões municipais.

- O custo total só saberemos depois. Mas é pouco gasto para muita gente - afirma Bassi.

O promotor Nelson Farhat disse que a legalidade ou não desse encontro promovido pela Fundação Ulysses Guimarães com verba do Fundo Partidário poderá ser avaliado posteriormente.