Título: Governo só repassou 6% de verba antidrogas
Autor: Suwwan, Leila; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 15/12/2008, O País, p. 8

Enquanto crack avança no Nordeste e em Brasília, dinheiro do governo federal não chega a estados e municípios.

BRASÍLIA e FORTALEZA. O governo federal repassou apenas 6% da verba disponível neste ano para estados e municípios atuarem no combate e prevenção ao uso de drogas. Os recursos fazem parte do Fundo Nacional Antidrogas (Funad), que conta com R$12 milhões por ano para apoiar projetos e capacitar agentes em todo o país. Até a semana passada, considerando também os convênios com entidades privadas e repasses diretos, foram gastos ou investidos R$4,3 milhões (34%) do fundo. Nos dois anos anteriores, a execução do Funad, administrado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ficou em 53%.

O GLOBO mostrou ontem que o consumo de crack (subproduto da cocaína) está se disseminando em capitais do Nordeste e também na capital federal em ritmo acelerado. A assessoria de imprensa da Senad não localizou ontem o general Paulo Roberto Uchôa para comentar o assunto.

Realidade das ruas pode superar dados da Senad

Segundo dados mais recentes da secretaria, de 2005, cerca de 0,7% da população brasileira utilizou crack pelo menos uma vez na vida, sendo que 0,14% usou a droga no último ano. Esse quadro, conforme a realidade das ruas, pode ser bem diferente hoje.

De acordo com dados do Siafi, R$1,6 milhão foram destinados para programas de prevenção e combate nos estados e municípios e boa parte já foi empenhada (reservado para pagamento), mas só R$89 mil foram efetivamente desembolsados. Essa modalidade, de repasse aos estados e municípios, é a menos usada no Funad. A maior parte da verba é aplicada diretamente ou repassada a instituições.

De acordo com o Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU), cerca de R$2 milhões foram pagos para a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária para capacitação de recursos humanos.

Há apenas dois anos no Ceará, o secretário de Segurança Roberto Monteiro acompanhou a escalada do consumo de crack na capital nos últimos meses e considera a proliferação dessa droga o segundo item mais grave da sua área, perdendo apenas para os crimes de pistolagem. Delegado aposentado da Polícia Federal, ele acredita que é preciso atacar esse mal na fonte, eliminando os canais de suprimento da matéria-prima do crack, a pasta de cocaína.

Na opinião de Roberto Monteiro, o trabalho de inteligência precisa ser intensificado para identificação de quadrilhas e rotas de entrada da droga no estado:

- É preciso secar as fontes, cortando os canais de suprimento da droga.

Segundo o secretário, a polícia fez um levantamento e constatou que há pessoas importantes e conhecidas da sociedade cearense financiando o tráfico de drogas no estado. Mas ainda faltam provas suficientes para prendê-las.

O crack começou a ser comercializado em bocas de fumo da capital cearense há cerca de cinco anos. Inicialmente restrito à periferia, hoje já está presente em bairros de classe média alta. Mas o secretário acha que o crack tem um viés sociológico que o torna uma droga típica da classe mais pobre e não ascenderia na camada social. No entanto, no Distrito Federal, há vários registros de envolvimento de jovens de classe média alta.

Vício leva usuário cearense a furtar e roubar

Em Fortaleza, segundo o secretário, a classe média estaria sendo vítima da droga de outra forma. Pela necessidade quase que contínua de consumir a droga em intervalos mais curtos, o usuário começa a praticar outros crimes. Primeiro vendendo objetos da própria casa e depois furtando e roubando na rua. Para o secretário ele, há uma relação direta entre a proliferação do crack e o aumento dos casos de furtos e roubos.

- O problema do crack é tão grande que a gente chega a ter saudades do tempo da maconha - disse o secretário.

Com mais de 230 prisões realizadas este ano em operações de combate ao tráfico, o secretário defende a intensificação do trabalho de repressão ao chamado varejo das drogas. Ele acredita que esses ações têm efeito inibidor, mesmo que a maioria dos presos sejam pequenos traficantes.

Roberto Monteiro disse que outra importante vertente para enfrentar o avanço do crack em Fortaleza será feita pelo Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, revitalizado há dois meses quando passou para a guarita da Secretaria de Segurança. O seu papel será propor ações para que o estado atue, simultaneamente, na prevenção e tratamento dos já dependentes.

O secretário acredita que a ausência do crime organizado no Nordeste abriu caminho para a proliferação do crack. No Rio, os criminosos teriam proibido a disseminação da droga porque o poder devastador nos dependentes representaria risco ao negócio.

oglobo.com.br/pais