Título: Atirador de sapatos vira herói no Iraque
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Fonte: O Globo, 16/12/2008, O Mundo, p. 30
Milhares vão às ruas em Bagdá exigir libertação do repórter que atacou o presidente Bush. Reações mobilizam o Oriente Médio.
Preso em Bagdá após ter atirado os sapatos em George W. Bush e chamado o presidente dos Estados Unidos de cachorro, o jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi foi tratado, no dia seguinte ao ataque, como herói no Iraque e em vários países do Oriente Médio. O ato, considerado pelo governo iraquiano como um vergonhoso atentado contra o Estado, recebeu notas elogiosas do Parlamento do Egito, de um grupo de intelectuais e cientistas iraquianos, e de dezenas de grupos islâmicos, entre eles o libanês Hezbollah. Al-Zaidi, que pode pegar de dois a 15 anos de prisão segundo juristas, também foi condecorado com a ¿Ordem da Coragem¿ por uma instituição de caridade presidida pela família do líder líbio Muammar Kadafi.
Al-Zaidi atirou seus sapatos ¿ gesto considerado um dos maiores insultos e sinal de desprezo pelas tradições muçulmanas ¿ durante uma entrevista coletiva de Bush domingo em Bagdá. O gesto foi o mesmo usado por iraquianos com a estátua do ex-ditador Saddam Hussein, que recebeu sapatos ao ser retirada por militares americanos durante a invasão.
Pouco antes de atirar os sapatos, al-Zaidi gritou: ¿É o beijo de despedida, cachorro!¿. Os cães, segundo a tradição muçulmana, são animais impuros. O jornalista foi preso e está em paradeiro não revelado.
Milhares de pessoas fizeram uma manifestação ontem em Cidade de Sadr, subúrbio pobre de Bagdá, exigindo sua libertação. Mais de 200 advogados de todo o mundo, incluindo Khalil Dulaimi, que defendeu o ex-presidente iraquiano Saddam Hussein, se ofereceram para defender o repórter.
O diretor da TV onde al-Zaidi trabalha, a rede al-Baghdadia, divulgou nota pedindo sua libertação e anunciou que iniciará uma campanha pela libertação do repórter.
¿ Exigimos informações imediatas sobre o paradeiro de Al-Zaidi e sua libertação. Pelas leis do Iraque, ele tem direito a responder pelo que fez em liberdade, e não como um prisioneiro. O governo não pode se comportar neste caso como uma ditadura ¿ disse Mujir al-Jafaji, diretor da emissora. ¿ O governo está nos pressionando a pedir desculpas públicas, mas isso não vai acontecer.
Bush faz piada com o episódio
Um grupo formado por cientistas, escritores e intelectuais iraquianos também manifestou apoio ao jornalista e anunciou que vai custear sua defesa. Já a associação líbia Waatassimu, administrada pela família de Kadafi, disse que pretende organizar uma cerimônia para condecorar o repórter e ¿espera contar com sua presença.¿
Bush, que seguiu de Bagdá para uma visita surpresa ao Afeganistão, tentou minimizar o episódio e respondeu com humor às perguntas dos jornalistas.
¿ Não sei o que me disse, mas vi a sola do sapato em minha direção ¿ disse Bush, que por pouco não foi atingido pelo segundo sapato ¿ Não sei que causa defende, mas não me senti ameaçado em nenhum momento. Também não fiquei irritado. Se querem mais dados, era um sapato número 10 (equivalente ao 42).
A família do repórter, com medo de represálias de militares americanos, deixou sua casa em Bagdá e foi para casa de parentes no interior:
¿ Alguns amigos ouviram falar que seríamos atacados. É um absurdo, pois meu irmão não cometeu crime algum. O que ele fez foi um ato de desagravo ¿ disse Udai al- Zaidi, irmão do jornalista.
A cena, que rodou todo o mundo, gerou polêmica na imprensa iraquiana, com reportagens contra e a favor do gesto.
¿ Não gosto de Bush, mas não estou de acordo com este gesto, isto não é civilizado. Os jornalistas têm o papel e a caneta para lutar, não os sapatos ¿ disse a jornalista iraquiana Oum Mina.
Se for acusado somente de tentativa de agressão a um chefe de Estado estrangeiro, Al-Zaidi poderá pegar de dois a três anos de prisão. Mas o governo, no entanto, anunciou que pretende acusá-lo de atentado contra o Estado iraquiano, o que pode ampliar a pena para até 15 anos.
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