Título: Um bom motivo para mudar a sede do Copom
Autor: Gaspari, Elio
Fonte: O Globo, 17/12/2008, Opinião, p. 7

ELIO GASPARI

Opapeleiro Bernard Madoff deu um tombo de US$50 bilhões de dólares nas melhores praças do mundo, de Nova York a Palm Beach, de Tóquio a Genebra. Esse ervanário equivale a toda a carteira de financiamentos de automóveis do Brasil no início deste ano.

Madoff era um ¿Senhor do Universo¿, ex-presidente do conselho da Bolsa Nasdaq, financiador do Partido Democrata. Morava num apartamento de 9 milhões de dólares, com iate nas Bahamas. Desde 1991 seu fundo rendia 10,5% ao ano.

Quem quiser, acredite na seguinte história: no final de novembro, quando o índice Standard & Poor¿s registrava uma queda de 37,65%, o fundo de Madoff rendia 5,6%. Na terça-feira da semana passada, depois de ter mencionado que seus investidores pretendiam sacar US$7 bilhões, ele disse aos dois filhos, com quem administrava o negócio, que pretendia distribuir um bônus de US$200 milhões na empresa. No dia seguinte eles confrontaram-no com o problema de caixa, e Madoff confessou que estourara. Um de seus filhos chamou o advogado, que procurou as autoridades. Na quinta-feira, o ¿Senhor do Universo¿ estava preso. (Foi libertado com uma fiança de US$10 milhões.)

Os filhos de Madoff, como Nosso Guia no caso do mensalão, de nada sabiam. Tudo bem. Essa história só será conhecida quando um dos repórteres do mercado financeiro que acompanha o caso publicar um livro contando o que soube.

Segundo Madoff, seu fundo não passava de ¿um gigantesco esquema de Ponzi¿. Referia-se ao estouro de Carlo Ponzi, que em 1920 lesou 30 mil pequenos investidores americanos oferecendo-lhes rendimento de 50% em 45 dias. Era o velho golpe da pirâmide. Como não havia atividade econômica, muito menos preços de mercadorias que remunerassem a festa, ela acabou. Ponzi detonou algo como US$200 milhões em dinheiro de hoje. Uma ninharia.

Há uma diferença entre Ponzi e Madoff. Um enganou o andar de baixo. O outro lesou o de cima, de maganos de clubes de golfe, fundos de Wall Street e grandes bancos globais. Ponzi foi um vigarista episódico. Madoff é um vigarista num mercado financeiro neoponziano. Beneficiou-se da leniência dos serviços reguladores americanos.

Durante nove anos driblou denúncias, até que entrou mal num cruzamento e capotou. Ao contrário de Ponzi, Madoff oferecia um rendimento modesto, semelhante à Bolsa Copom de Nosso Guia. O estouro derivou da má-fé do doutor, mas operadores de má-fé fazem parte do jogo. A anomalia esteve na falta de fiscalização, num ciclo econômico durante o qual demonizou-se a vigilância do poder público.

Madoff irá para a cadeia, de onde dificilmente sairá, pois tem 70 anos.

Ponzi pagou mais caro. Ele tinha 38 anos quando foi encarcerado e passou 11 preso, muitos dos quais costurando cuecas. Libertado, chegou ao Brasil em 1939 e viveu no Rio de Janeiro tentando pequenos negócios e lecionando inglês. Contava que na cadeia convivera com Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, os anarquistas eletrocutados em 1927.

Paralítico e cego, morreu em 1949 no hospital da Santa Casa. Vivia à custa da previdência social brasileira. Morou na Rua Engenho Novo 118, apartamento 102.

O doutor Henrique Meirelles deveria comprar o prédio e instalar nele a sede oficial do Copom.

ELIO GASPARI é jornalista.