Título: Na cúpula, Lula pede ação por emprego e renda
Autor: Almeida, Cássis; Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 17/12/2008, Economia, p. 25

Presidente diz que América Latina não assistirá passivamente à crise. "É a primeira vez que a região une vozes".

COSTA DO SAUÍPE (BA). Durante a Cúpula do Mercosul, na manhã de ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a principal preocupação dos países do bloco diante da crise deve ser "proteger a renda e o emprego dos trabalhadores" e que a receita para alcançar o objetivo é aumentar a integração regional. Lula disse que que o Mercosul não vai assistir "passivamente" ao debate sobre a crise.

- Nossa resposta coletiva deve ser de dobrar a aposta em nosso bloco: integração voltada para o desenvolvimento. Vejo com satisfação que nossos países têm dado, nacionalmente, respostas muito coincidentes. O Mercosul, juntamente com nossos amigos da América Latina, não assistiremos (sic) passivamente ao debate sobre a crise mundial - disse Lula.

Ele reforçou o discurso na Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc), que pela primeira vez reúne os 33 países da região. E ressaltou:

- É a primeira vez que a região une suas vozes.

Dirigindo-se aos colegas do Mercosul, Lula pediu que se prossiga a discussão sobre o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC), cujo anúncio foi adiado nesse encontro por falta de acordo. O bloco também não conseguiu aprovar o código aduaneiro.

Lula disse ainda que as crises podem ser um meio de renovação dos governos:

- Enfrentamos um cenário internacional marcado por novas ameaças. Conjunturas e crises como essas revelam as perversões do sistema econômico dominante. Mas elas são também oportunidades para grandes mudanças, que carecem de clareza de análise e redobrada vontade política.

O presidente disse que, no momento de "grave crise internacional", seu governo está adotando medidas para reduzir o impacto na economia real.

- Os avanços (em nossos países) estão ameaçados pela irresponsabilidade de aventureiros, que lançaram a economia mundial num precipício, e tudo isso sob o olhar complacente de governos e instituições internacionais, que historicamente buscaram tutelar nossos países - disse Lula.

Correa sugere criar Fundo de Reserva do Sul

Falando pouco depois de Lula, o presidente do Equador, Rafael Correa, apresentou inusitada proposta de usar as reservas internacionais dos países da região - só o Brasil tem US$207 bilhões - para criar um Fundo de Reserva do Sul e fazer frente à crise financeira global. Poderiam ser direcionados as aplicações soberanas nos EUA, com o objetivo de evitar problemas no balanço de pagamento e fiscais.

Ele aproveitou e alfinetou o Brasil. Corrêa tem hoje encontro bilateral com Lula.

- A vantagem disso seria que as reservas poderiam ser em volume menor e dar mais resultado. Não podemos cair no canto da sereia dos burocratas, que só estão interessados no pagamento da dívida (nas últimas semanas, o Equador vem anunciando moratória e auditorias na sua dívida externa) e ter uma política fiscal que promova o emprego. Esse fundo de reserva serviria para isso - afirmou o equatoriano.

Correa lamentou que o Banco do Sul, uma proposta do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, feita no ano passado, não tenha avançado:

- Financiaria os investimentos em infra-estrutura e em política fiscal que promovessem o emprego.

Por último, o presidente do Equador destacou a importância de uma moeda regional:

- Assim, nós estaríamos mais bem preparados para enfrentar essa crise, criando nossa própria arquitetura financeira regional e não de forças extra-regionais de economias do primeiro mundo.

Numa extensa declaração de 32 pontos, os chefes dos países do Mercosul manifestaram preocupação com a crise financeira e disseram que "os países que estão envolvidos no processo de conformação do Banco do Sul expressaram a importância da sua ativação o mais rapidamente possível, com vistas ao desenvolvimento mais harmônico, equitativo e integral da América do Sul".

Nesses dois dias, estão sendo realizadas quatro cúpulas simultâneas: da Calc, do Mercosul, do Grupo do Rio e da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). O governo brasileiro avalia que a Cúpula na Bahia, encontro que ocorrerá, pela primeira vez, sem a chancela dos EUA ou da Europa, servirá sobretudo para intensificar o diálogo entre os 33 países participantes.