Título: Raúl propõe trocar dissidentes
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 19/12/2008, O Mundo, p. 38

Em oferta inédita, presidente de Cuba diz que liberta presos políticos se EUA soltarem 5 espiões.

Numa declaração que surpreendeu até mesmo diplomatas brasileiros, o presidente de Cuba, Raúl Castro, fez pela primeira vez uma proposta de aproximação com os EUA, com quem a ilha não mantém relações há quase 50 anos. Raúl, em visita ao Brasil, disse que está disposto a fazer um gesto aos americanos, desde que o presidente eleito Barack Obama, que toma posse em 20 de janeiro, aceite dialogar de igual para igual. O cubano sugeriu que os EUA libertem cinco prisioneiros cubanos condenados por espionagem. Em troca, Cuba poderia libertar dissidentes para que pudessem mudar de país, inclusive com suas famílias.

- Fazemos gestos e gestos. Estes prisioneiros de que vocês falam... Querem que os libertemos? Eles deviam nos dizer amanhã. Vamos mandá-los com suas famílias e tudo. Devolvam-nos nossos cinco heróis. Este seria um gesto de ambas as partes - propôs ele, na primeira vez em que um líder cubano ligou publicamente a libertação dos dissidentes à dos espiões.

A declaração de Raúl Castro ocorreu depois que um jornalista brasileiro o questionou sobre o que teria a dizer a respeito dos dissidentes que o então ditador Fidel Castro havia mandado para fuzilamento no paredão. Visivelmente irritado, aos gritos e com o rosto vermelho, Raúl respondeu:

- Não me venha com essa pergunta! Por que não falam dos US$57 milhões aprovados no ano passado pelo Congresso dos EUA para pagar agentes (para espionar Cuba)? Esse é o papel que eles desempenham. Por que não me falam dos cinco heróis que não fizeram nada contra os EUA e foram condenados à prisão perpétua?

Ele se referia a Gerardo Hernández, René González, Antonio Guerrero, Ramón Labañino e Fernando González, presos na Flórida em setembro de 1998. Em junho, uma corte americana confirmou a sentença contra os cinco, condenados por espionagem e conspiração para cometer assassinatos. Cuba, porém, considera-os heróis.

Antes da proposta, Raúl questionou um apelo da ex-secretária de Estado Madeleine Albright, que pediu um gesto a Cuba para que as relações entre os dois países fossem retomadas:

- Gesto de quê? Gesto para quê? Somos um país pequeno.

Raúl também elogiou Obama:

- Reconhecemos a virtude de Obama, mas agora é o momento de demonstrar a verdade.

Casa Branca rejeita oferta de troca

O governo brasileiro comemorou a declaração de Raúl, a proposta mais concreta até agora para suavizar as relações com os EUA. Auxiliares de Lula lembraram que a visita faz parte da primeira viagem de Raúl ao exterior. Ontem, ao ver que o colega se exaltava, Lula, de forma cortês, procurou ajudá-lo, ao mesmo tempo que punha panos quentes nas críticas aos EUA.

- O Obama vai provar a diferença do mandato que ele vai exercer nos EUA se tiver alguns gestos - afirmou. - Ele toma posse dia 20 e aí é que eu espero que haja também a diferença no comportamento com relação à América Latina e ao Caribe. Eu acho que não é Cuba que tem que fazer gesto, quem tem que fazer gesto é o governo americano, que foi quem fez o gesto para bloquear (as relações comerciais). É só dizer não tem mais bloqueio e está tudo resolvido.

O Departamento de Estado dos EUA disse condicionar o diálogo com Cuba à libertação "sem trocas" dos dissidentes - há cerca de 200 presos em Cuba - e que Havana está "confundindo maçãs com laranjas." Grupos dissidentes rejeitaram a troca de prisioneiros.

- Os presos são seres humanos, não merecem ser trocados como uma simples moeda - disse Laura Pollán, líder do grupo de mulheres de presos políticos Damas de Branco.