Título: Guerra de preços nas alturas
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 04/01/2009, Economia, p. 23

Para especialistas, concorrência no setor derrubará tarifas aéreas em 30% este ano.

Os passageiros podem esperar uma guerra de tarifas no setor aéreo a partir de março de 2009, avaliam especialistas e técnicos do governo. A desaceleração econômica e a conseqüente queda na renda das famílias, aliadas ao fim da alta estação, serão os motivos da disputa. Outro fator adicional será a entrada em operação da Azul, que deverá fazer com que os preços caiam, em média, 30% até o fim do ano, nos mesmos trechos voados pela concorrência, segundo projeções do professor Vladimir Silva, do Instituto Cepta, consultoria especializada no setor.

O cálculo foi feito com base na comparação de valores cobrados pelas companhias entre janeiro de 2001, quando a Gol estreou no mercado, e dezembro de 2006. Mas a queda dependerá da capacidade da Azul de firmar-se no mercado e conseguir apressar a chegada de novos aviões para ampliar a malha.

A empresa chegará ao fim de janeiro com seis aviões e cinco cidades atendidas a partir de Campinas (SP). A estimativa é que levará um tempo para que a Azul consiga chegar nos 6% de participação no mercado detidos por Ocean Air e WebJet, as duas menores do mercado, mas já consolidadas.

Outro fator importante no desempenho da empresa, segundo o consultor Ruy Coutinho, da Latin Link, será a autorização para que ela possa operar em aeroportos rentáveis, como o Santos Dumont, no Rio.

- Em março, as companhias terão de se esforçar para encher seus aviões e aí vão travar uma verdadeira disputa tarifária - reforça o diretor da Multiplan Consultoria, Paulo Sampaio.

Demanda deve cair após o carnaval

O diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Ronaldo Seroa concorda:

- Com a redução da demanda agregada (da economia como um todo), é muito provável que o volume de passageiros caia e isso terá de ser compensado com queda nos preços.

As projeções dos analistas para o setor em 2008 apontam crescimento entre 8% e 9%. Para 2009, a estimativa é de alta de 4%. Mas este indicativo precisa ser contrabalançado com o aumento da oferta pois, para atender a elevação da demanda acima de 10% nos últimos anos, as empresas procuraram ampliar suas frotas.

- Depois do carnaval, o mercado vai cair na real. Haverá uma diminuição no volume de passageiros não corporativos e mesmo as viagens bancadas pelas empresas vão cair. A tendência é de que os deslocamentos sejam substituídos por meios tecnológicos, vídeo e teleconferências - diz Ruy Coutinho.

Para Sampaio, a disputa tarifária será liderada por Gol e TAM, donas de 93% do mercado brasileiro, com mais de cem aviões cada. A grande incógnita em 2009, diz, será a Gol, que responde por 40,5% do mercado doméstico. Segundo ele, a empresa oferece um serviço de bordo "espartano" e cobra praticamente os mesmos preços da TAM.

- A empresa também sai com uma imagem ruim no fim do ano, tendo sido a "campeã" de atrasos de vôos - afirma Sampaio, acrescentando que os problemas da Gol, decorrentes da compra da Varig, vão se estender para 2009.

Ele afirma que a Gol tem um gasto mensal de US$3,4 milhões com aluguel de leasing de sete aviões modelo 767, que eram da Varig e ficaram ociosos com a desativação das rotas para a Europa. Segundo ele, a empresa terá que transferir estes aviões a terceiros num mercado desaquecido pela crise.

- Além dos prejuízos com a compra da Varig, a Gol terá como principal desafio melhorar a imagem para atrair os clientes de volta. Os dados de ocupação mostram que o passageiro não é bobo. Enquanto a taxa de ocupação da TAM é de 68%, o da Gol está 10 pontos percentuais abaixo - diz Sampaio.

Seroa, diretor da Anac, destaca que a retirada dos limites às promoções nos vôos internacionais será um ingrediente a mais na batalha dos preços. Segundo ele, o órgão regulador recebeu vários pedidos recentes de empresas nacionais e internacionais para aumentar as frequências nessas rotas.

No entanto, no fim de 2008, o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) entrou com liminar impedindo a liberação tarifária para Europa e EUA. A Anac entrou na Justiça com pedido de reconsideração da decisão. Pelo menos duas empresas já se preparavam para reduzir suas tarifas.

A restrição na oferta de vôos internacionais tem inibido uma queda mais acentuada nas tarifas para a América do Sul, onde não há mais restrições a descontos.

Para Vladimir Silva, do Cepta, todas estas questões podem favorecer o surgimento, em 2009, de um novo modelo de concorrência no Brasil.

- Antes, os instrumentos básicos de captação de clientes e competição eram implementados via redução de preços das passagens em linhas específicas. Este ano será marcado por um desafio maior, a criatividade - destaca.

Gol aposta em venda parcelada e milhas

Ele avalia que, no primeiro semestre, as empresas seguirão o preço cobrado pela Azul e farão compensações, cobrando mais caro nas rotas não operadas pela estreante. Num segundo momento, diz, buscarão um diferencial, que pode ser tarifa mais baixa ou serviço melhor.

Segundo Silva, o conforto oferecido pela Azul, com TV a bordo e maior espaço entre poltronas, incomodará mais a Gol e a WebJet.

- A Gol, por causa de sua ampla rede e do número de aeronaves, competirá com melhores horários e oferta de assentos. Já a TAM, que possui maior penetração no público executivo, competirá com mais opções de vôos, além de intensificar suas campanhas publicitárias - acredita.

O vice-presidente da Gol, Tarcísio Gargione, diz que a empresa já tomou todas as medidas para resolver os problemas de atrasos de vôos, ocorridos no Natal. Os prejuízos decorrentes da aquisição da Varig, segundo ele, também foram absorvidos, com a companhia registrando lucro no terceiro trimestre de 2008. Quanto ao leasing dos aviões usados na rotas para a Europa, ele afirma que os contratos estão sendo negociados.

Para março, a empresa deverá intensificar campanhas para atrair as classes C e D, que podem pagar as passagens em até 36 meses. O programa de milhagem será a grande aposta para fisgar o público corporativo. As outras empresas não informaram suas estratégias.

oglobo.com.br/economia