Título: A bomba demográfica que assusta Israel
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 04/01/2009, O Mundo, p. 28

Aumento da população árabe no país e nos territórios palestinos tornará judeus minoria em poucos anos Flávio Henrique Lino* JERUSALÉM. Maior força bélica do Oriente Médio e dono de um arsenal que inclui as últimas novidades tecnológicas e até armas nucleares ¿ além de contar com o apoio incondicional da superpotência americana ¿ Israel não tem tido motivos sérios para se preocupar com sua sobrevivência, após ter vencido a Guerra de Independência contra os árabes em 1948. Uma única "arma", no entanto, ameaça acabar com essa segurança e pode pôr em risco a existência do Estado judeu: a bomba demográfica. Segundo a maioria das previsões, as altas taxas de crescimento das populações árabe-israelense e palestina farão com que, possivelmente em alguns anos, os judeus se tornem minoria na região compreendida pelos territórios de Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza ¿ que Israel controla em sua totalidade desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Para muitos em Israel, essa tendência demográfica está acendendo o sinal amarelo. O raciocínio é simples: se um Estado palestino não se materializar, atendendo às expectativas de parte significativa da população de origem árabe que ficou sem um país em 1948, os palestinos podem simplesmente abrir mão de suas reivindicações nacionais e começar a exigir sua incorporação a Israel com os mesmos direitos dos outros cidadãos judeus e árabes-israelenses. Seria um modelo de Estado binacional como a Bélgica, onde flamengos e valões dividem o mesmo país, ou o Canadá, partilhado entre canadenses de fala inglesa e francesa. ¿ Os palestinos serão demograficamente dominantes. Estamos tendo a última janela para a solução de dois Estados. Se não conseguirmos agora, vamos deixar um problema insuportável para as futuras gerações ¿ opina Matti Shteinberg, professor do Centro Interdisciplinar de Hertzlya e da Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-assessor sênior do serviço secreto. Números viram arma no conflito A matemática que inquieta os israelenses é de fácil entendimento. Em Israel, os cidadãos de origem árabe ¿ que permaneceram no país após 1948 ¿ são hoje 19,4% da população de 7,4 milhões. Em 1966, um ano antes de Israel incorporar os territórios palestinos, eles eram 12%. Somados aos 3,9 milhões de palestinos da Cisjordânia e de Gaza, os árabes já seriam 5,3 milhões, contra 5,5 milhões de judeus. As discrepantes taxas de crescimento das duas populações estão por trás dessa lenta virada da balança: entre os judeus, ela é de 1,7% ao ano, enquanto os árabes-israelenses aumentam a uma taxa de 2,5%; já entre os palestinos da Cisjordânia, a taxa de crescimento demográfico é de 2,2% ao ano, e de Gaza, 3,4%. Numa demonstração da importância do fator demográfico no conflito, os números se tornaram armas ao lado dos foguetes Qassam palestinos e dos caças F16 israelenses. Muitos em Israel minimizam a dita ameaça do crescimento populacional árabe-israelense e palestino. Um estudo do Grupo de Pesquisa Demográfica Americano-Israelense acusa a Autoridade Nacional Palestina de inflacionar a população dos territórios em 1,1 milhão de habitantes. Além disso, a organização alerta que as taxas de natalidade de árabes-israelenses e palestinos vêm diminuindo ou estagnando, ao passo que a dos judeus vem aumentando. Ainda assim, os governos de Israel acreditam que a demografia é uma bomba-relógio que mais dia menos dia vai estourar, com conseqüências imprevisíveis. A decisão de Ariel Sharon de retirar Israel de Gaza, em 2005, foi determinada em parte pela vontade de manter o caráter judaico e democrático do país, que dessa forma teria menos palestinos sob ocupação direta. Para manter o comando como minoria, aos judeus só restaria institucionalizar um regime de segregação racial como o apartheid sul-africano. ¿ Mesmo líderes de direita como Sharon e Ehud Olmert finalmente entenderam que precisam de uma solução de dois Estados ¿ avalia a historiadora Sarah Ozacky-Lazar, do Instituto Van Leer de Jerusalém, deixando em aberto a possibilidade de avanços na direção da paz mesmo se o falcão Benjamin Netanyahu, do Likud, vencer as eleições de fevereiro em Israel. ¿ Vamos esperar. Às vezes os líderes mudam quando se sentam na cadeira de primeiro-ministro. Solução binacional tem pouco apoio na região A solução de um Estado binacional vai contra os fundamentos ideológicos do moderno Israel, fundado em 1948 ao final de mais de meio século de lutas como uma pátria para os judeus. E, se entre os israelenses judeus é uma opção que aterroriza a maioria, entre os palestinos, tampouco é uma solução atraente, já que há décadas eles aspiram por ver realizado seu desejo maior: ter seu próprio Estado. Mas o impasse nas negociações de paz e a falta de luz no fim do túnel para um conflito que se arrasta há 60 anos podem mudar a situação entre os palestinos. ¿ Cada vez mais se fala de uma solução binacional ou federalizada. Os palestinos, sobretudo os intelectuais, são cada vez mais favoráveis a essa idéia ¿ explica Arye Katzovich, professor de Relações Internacionais da Universidade Hebraica, alertando para o perigo que Israel corre se não se apressar em realizar a solução dos dois Estados. ¿ Se não deixar os territórios, Israel vai acabar como Estado judeu e democrático. * O repórter viajou a convite do Centro Shasha de Estudos Estratégicos da Universidade Hebraica de Jerusalém oglobo.com.br/mundo Inclui Quadro: Dois vizinhos de mundos distintos.