Título: Um Estado binacional é viável
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 04/01/2009, O Mundo, p. 28
A solução do Estado binacional na Palestina histórica é impopular e freqüentemente rejeitada por muitos israelenses e palestinos, que a consideram irrealista e utópica porque ignora a "realidade" e as profundas hostilidades e desconfiança entre as duas partes conflitantes. Além disso, palestinos e israelenses a rejeitam porque acreditam que é uma ameaça às suas identidades nacionais e particularidades culturais. Essas alegações e outras não são desprovidas de mérito. Entretanto, um exame profundo e crítico da maioria delas prova que são exageradas, inexatas e inconvincentes. A realidade local e as preocupações com justiça e democracia têm provado que é viável e desejável a solução binacional para o conflito palestino-israelense. Consideremos primeiro o fator empírico e factual. O projeto colonial e expansionista israelense de assentamentos na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) transformou consideravelmente a realidade local. O crescente número de assentamentos israelenses e a extensa rede de estradas e túneis criada para servir exclusivamente a esses assentamentos e conectá-los com Israel têm inevitavelmente gerado uma geografia interligada e mista ¿ embora os assentamentos sejam separados das aldeias e cidades palestinas por cercas, muros, estradas vicinais e postos de controle ¿ transformando a realidade local. Além disso, a anexação de facto da maioria desses assentamentos (por Israel) pelo muro de separação e a cantonização do resto da Cisjordânia torna sem sentido e impraticável um Estado palestino viável e soberano dentro das fronteiras de 1967. A importância do fator conciliatório advém do reconhecimento e da centralidade que ele concede às conseqüências desastrosas e às injustiças históricas que a ocupação da Palestina e a criação de Israel em 1948 causaram aos palestinos. Diferentemente do que acreditam os que reduzem a questão da Palestina à criação de um Estado nas fronteiras de 1967, um processo sério de reconciliação histórica deve levar em conta as causas e conseqüências da Nabka ("catástrofe", como os árabes chamam a criação de Israel). Isso vai além da solução de dois Estados. É precisamente o fator democrático que insiste nos valores de inclusão, reciprocidade e igualdade. Um Estado binacional fornece respostas a vários medos e problemas expressos tanto por palestinos como por israelenses. Em primeiro lugar, a solução binacional é inclusiva, no sentido de que procura conceder direitos individuais de cidadania e direitos nacionais coletivos de autodeterminação a todos os cidadãos e aos dois grupos nacionais. O Estado binacional não exige que judeus israelenses e árabes palestinos sejam assimilados num só grupo nem requer que nenhum grupo abra mão de sua identidade nacional. Em segundo lugar, o Estado binacional fornece uma resposta efetiva ao temor da minoria palestina em Israel no que concerne seus direitos coletivos e sua identidade nacional. Nessa solução, a minoria palestina (de Israel) é vista como parte de um povo palestino mais amplo e gozará do mesmo conjunto de direitos coletivos que o resto dos palestinos. Em terceiro lugar, assegurar o direito de autodeterminação nacional aos judeus israelenses abre a porta a uma solução justa do direito de retorno dos refugiados palestinos. Certamente, a materialização desse direito deve levar em conta as atuais circunstâncias de total destruição de aldeias e casas, e também evitar causar novas injustiças àqueles que tenham construído assentamentos sobre as ruínas de antigas aldeias ou residam em casas que pertenciam a palestinos. Por último, a questão da divisão de Jerusalém se tornaria desnecessária e irrelevante. BASHIR BASHIR é árabe-israelense e pesquisador do Centro Gilo de Cidadania, Democracia e Educação Cívica na Universidade Hebraica de Jerusalém e do Instituto Van Leer de Jerusalém