Título: Faltam comida, remédios e sacos para corpos
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 06/01/2009, O Mundo, p. 25

Organizações de ajuda humanitária advertem que crianças podem morrer de frio. Ambulâncias são destruídas em ataques.

CIDADE DE GAZA. Salah Samouni batia a própria cabeça contra a parede no necrotério diante dos corpos dos três sobrinhos. Os parentes gritavam diante de médicos exaustos, pedindo que as buscas continuassem por familiares soterrados por escombros. Após dez dias de ataques, o Hospital Shifa, o maior da Faixa de Gaza, está sobrecarregado. Os corpos são colocados às duplas nas gavetas do necrotério e alguns ¿ como os sobrinhos de Samouni, de 3, 4 e 5 anos ¿ estão pelo chão.

Feridos são tratados pelos corredores porque as salas estão cheias. Médicos e enfermeiras quase não dormem, e os hospitais funcionam à base de geradores depois que os bombardeios deixaram a cidade sem energia elétrica quatro dias atrás. Muitos temem que os geradores não suportem o funcionamento direto e pifem.

¿ Quando meu turno acaba, ajudo os colegas. Os feridos são nossos irmãos e amigos ¿ contou o enfermeiro Ahmad Abdul Salam, com olhos vermelhos.

As agências humanitárias alertam que os habitantes de Gaza necessitam urgentemente de alimentos e medicamentos, como analgésicos e anestésicos. Também estão se esgotando as bolsas para guardar os cadáveres. Além disso, os ataques aéreos dificultam a assistência. Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, muitas pessoas morrem enquanto aguardam as ambulâncias.

Outros têm medo de sair de casa. Organizações como os Médicos Sem Fronteiras estão usando clínicas móveis. Além disso, 16 médicos e enfermeiros dos MSF levam material médico para casa a fim de atender feridos em seus bairros. Mas nem equipes médicas estão a salvo. Quatro ambulâncias e três clínicas móveis foram destruídas num bombardeio que atingiu a Health Care Union.

¿ Esta situação é uma crise humanitária e se agrava a cada dia ¿ advertiu o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, John Holmes, acrescentando que os hospitais estão à beira de um colapso.

Comboio de ajuda com 80 caminhões entra em Gaza

Os ataques danificaram hospitais, o sistema de abastecimento de água e a capacidade de movimentação. O frio agrava a situação das crianças. A Organização Save the Children advertiu que milhares de crianças e bebês correm o risco de sofrer hipotermia, devido à falta de combustível para fazer funcionar os geradores, além de sofrerem os efeitos da subnutrição prolongada. ¿As famílias se veem forçadas a manterem abertas as janelas para evitar que os vidros se quebrem com a onda expansiva dos bombardeios, o que torna impossível manter os lares aquecidos¿, disse a ONG.

¿ As casas de dois membros de nosso pessoal foram seriamente danificadas por bombardeios. Ninguém está a salvo ¿ disse o porta-voz da organização em Jerusalém, Dominic Nutt.

Ontem, um comboio de 80 caminhões entrou na Faixa de Gaza pelo terminal de Kerem Shalom, com medicamentos e produtos básicos vindos de Grécia, Jordânia, Egito, empresas, ONU e organizações humanitárias, informou Israel. Além disso, o terminal de Nahal Oz foi aberto para permitir a entrada de 200 mil litros de combustível.

O Irã disse ao Egito que está preparado para atender às vítimas dos ataques israelenses e pediu autorização para instalar um hospital de campanha próximo à fronteira egípcia com Gaza. O alto comissário para Refugiados da ONU, Antonio Guterres, por sua vez, pediu que Israel permita que civis fujam do conflito e que países vizinhos os recebam. A Alemanha ofereceu mais de US$15,3 milhões para ajuda humanitária em Gaza, e a Suécia anunciou que destinará US$1,3 milhão a um fundo das Nações Unidas para Gaza.