Título: O desespero não ajuda em nada
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 07/01/2009, O País, p. 9
Há dez anos lutando contra um câncer, José Alencar não para de trabalhar e de criticar juros altos.
BRASÍLIA. Na contramão da maioria dos integrantes do governo, o vice-presidente José Alencar, de 77 anos, voltou a Brasília dia 1º para dar expediente já no dia seguinte, uma sexta-feira. O motivo, contou ontem em conversa com jornalistas em seu gabinete, no Planalto, tem a ver com sua luta diária contra o câncer. Há mais de dez anos o empresário e político mineiro faz tratamento contra a doença.
- Minha maior motivação é o trabalho. Se não fosse isso, eu não teria a força que tenho para sustentar um tratamento por todo este tempo - disse, sempre bem-humorado.
Alencar voltou ao trabalho, contrariando a família, também para demonstrar que o governo não estava ausente - o presidente Lula permanecia, na ocasião, em Fernando de Noronha, de férias, e agora descansa na Bahia. O vice não reclama de nada, à exceção da taxa de juros, como sempre, e dos efeitos colaterais da medicação contra a doença. Diz que os remédios o deixam cansado, ofegante, mas que dorme bem. Para quem sofre do mesmo mal, um conselho:
- O desespero não ajuda em nada. É importante ter fé.
Ele diz não temer a morte e faz planos para 2010, quando termina seu mandato. Para o vice, o homem público tem de ter a preocupação contínua "de permanecer vivo após morrer".
- Se fizer algo errado, estará morto em vida - observou, argumentando que somente uma minoria, porém barulhenta, é que faz coisas erradas na política.
Se depender de sua vontade, Alencar pensa em se candidatar ao Senado ou a uma vaga na Câmara. Para o Executivo não mais, por causa da idade.
- O máximo que posso querer na vida é disputar três ou quatro eleições - brincou.
Apetite para a política não lhe falta. Ontem mesmo ele recebeu o candidato a presidente da Câmara Michel Temer (PMDB). E defendeu o nome de Tião Viana (PT-AC) para presidente do Senado, onde o PMDB não quer abrir mão da vaga. Disse que havia um acordo de alternância nos comandos das Casas que deveria ser cumprido.
Alencar afirmou que o governo trabalha para minimizar os efeitos da crise econômica e se mostrou preocupado com o desemprego. Para ele, é hora de comprar e investir, como prega Lula. Porém, vê nos juros altos um inibidor do crescimento e defende intervenção política no Banco Central.
- Queremos que se façam investimentos e que se compre, mas adotamos uma taxa que trabalha em sentido contrário. O Brasil vai bem, apesar da política monetária. Não é graças a ela; é apesar dela. Isso não é assunto para técnico, mas decisão política. Temos de dar uma ordem para o Banco Central praticar taxas de mercado - criticou, citando expressão usada pelo pai: tribuzana (na verdade, trabuzana, agitação atmosférica violenta). - Os juros no Brasil são uma tribuzana.