Título: Indústria dá marcha a ré
Autor: Almeida, Cássia; Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 07/01/2009, Economia, p. 17
Setor desaba 5,2% e cresce risco de recessão.
A produção industrial desabou em novembro, de tal forma que a quantidade de bens fabricados no país recuou para os níveis de maio de 2007. A crise financeira internacional, que secou o crédito externo e interno e freou fortemente as exportações, fez a produção industrial recuar 5,2% frente a outubro, quando já havia caído 2,8%, segundo o IBGE. A retração foi a maior registrada desde maio de 1995, quando os mais de 40 mil funcionários da Petrobras cruzaram os braços por mais de um mês. Se for descartada a paralisação, o indicador ficaria próximo ao desastroso dezembro de 1991, ano seguinte ao confisco do governo Fernando Collor e a uma recessão de 4,4% de 1990.
Os números divulgados ontem reúnem uma coleção de recordes negativos, remetendo a períodos de greves e recessão. Consultorias já estimam queda do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) de até 1,5% no quarto trimestre e elevaram o risco de recessão técnica entre outubro e março.
- No acumulado de outubro e novembro, o freio na produção vai a 7,9%. No período recente, nunca se viu queda tão brusca. Algo parecido aconteceu entre outubro de 2002 e junho de 2003, mas levou oito meses para acumular essa queda - disse Silvio Sales, coordenador de Indústria do IBGE.
Os números negativos também aparecem frente a novembro de 2007. Houve corte de 6,2% na produção, o maior desde dezembro de 2001. É a primeira vez em 28 meses que há retração contra o ano anterior. De janeiro a novembro, permanece a alta, de 4,7%. Contudo, até setembro, eram 6,4%. Em 12 meses, a expansão é de 4,8%.
- A intensidade da queda no setor automotivo se irradiou para outros setores. Além disso, o freio nas exportações afetou a produção de insumos para indústria, a mais pesada no setor, puxando o indicador para baixo - explicou Sales.
Com o resultado bem pior que o esperado, já é dada como quase certa a chamada recessão técnica, quando há dois trimestres seguidos de queda na atividade. O mesmo que aconteceu no primeiro semestre de 2003, quando os juros subiram para enfrentar inflação em alta diante da valorização do dólar.
- Houve uma parada no mercado, afetando a demanda dentro da indústria. Mas não vejo isso como tendência. Novembro foi o auge da crise. O PIB deve cair no último trimestre de 2009 entre 1% e 1,5% e no primeiro deste ano, perto de 0,5%. A recuperação virá logo no segundo trimestre - acredita Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.
Resultado reforça corte de 0,5 na Selic
Lacerda exemplifica que a produção de carros já esboçou alguma reação, pelo menos nas vendas, diante do corte do IPI. O comércio pode surpreender, na sua opinião, e o ajuste de estoques da indústria acontecer antes do previsto.
Apesar do recuo em 64% dos itens pesquisados pelo IBGE, os automóveis foram os grandes vilões do resultado de novembro. Da queda de 6,2% frente a 2007, os automóveis responderam por 25%. A produção de carros caiu 34,2% frente a 2007.
- Só os automóveis respondem por 10% da produção, mas juntando os setores de aço, borracha e plástico, chegamos quase a um quarto da indústria brasileira - lembra Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultoria.
O resultado fez o técnico mudar a projeção para o PIB no último trimestre. Acreditava em estabilidade e agora prevê queda de 1%. Ele também vê a atividade recuando no primeiro trimestre. Mas, no ano, a expansão ficaria em 3%:
- Há um lado bom nesses números. Abre espaço para o Banco Central ser mais agressivo no corte dos juros (a Taxa Selic está em 13,75% ao ano). Pode ser um corte de 0,5 a 0,75 ponto percentual já este mês.
Há mais previsões de corte de 0,5 ponto percentual pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que se reúne 20 e 21 deste mês. Ontem, analistas que ainda apostavam no corte em 0,25 ponto refizeram suas contas e projetaram queda maior. O último corte foi em setembro de 2007, de 0,25.
Roberto Padovani, economista-chefe do WestLB do Brasil, reviu de 0,25 para 0,5 ponto percentual o corte da Selic. A consultoria apostava em queda de 5,6% na produção em novembro, frente a igual mês do ano anterior.
- A queda acentuada da produção foi um ingrediente a mais para o corte, aliada à escassez de crédito e à desvalorização do preço das commodities no mundo.
Para a economista Fernanda Feil, da Rosemberg & Associados, o Copom deve fazer três cortes de 0,5 ponto: em janeiro, março e abril. Nas outras reuniões, os cortes serão de 0,25 ponto, encerrando o ano em 11,25%.
oglobo.com.br/economia